O Globo |
23/2/2007 |
Terminada a festa, o assunto nacional ainda será a insegurança pública? Surgirá alguma luz no debate sobre as melhores e mais justas formas de punir crimes odiosos? Esperemos; quem sabe, até veremos. Como reduzir de fato a criminalidade? Quais seriam as formas adequadas de punição eficiente e justa? A reação da sociedade à morte bárbara do menino João Hélio ainda faz indispensáveis respostas a perguntas como essas. Isso aumenta a responsabilidade imediata de políticos e autoridades. Retoma-se agora a discussão sobre a resposta devida pelo Estado à morte de João Hélio. Se vier muita conversa e pouca substância, os poderes da República não escaparão de acusações de irresponsabilidade, incompetência e coisas piores. Azar o deles: terão merecido. Mas há gente se mexendo. Na área do Executivo, usa-se uma palavra feia que tem tudo a ver com a distância entre discursos e a realidade: contingenciamento. É o que acontece quando governos não liberam recursos para programas e projetos estabelecidos em lei. Em geral, no início de cada ano, o Executivo produz um decreto limitando (mais claramente, cancelando, adiando para o Dia de São Nunca) aquilo que o jargão define como "despesas discricionárias ou não legalmente obrigatórias". Tem o direito de fazê-lo. Contingenciar pode consistir no engavetamento provisório de projetos não urgentes. Mas também corre o risco de representar o sepultamento definitivo de planos prometidos e compromissos assumidos em face de exigências enfáticas da opinião pública. Acontece bastante. Há poucos dias, o Senado introduziu a questão do contingenciamento no debate alimentado pela tragédia de João Hélio. O plenário aprovou, por unanimidade - algo raro e notável - um projeto de lei proibindo o contingenciamento de recursos destinados à segurança pública. Se o clima pós-carnaval no Congresso continuar o mesmo de uma semana atrás, o projeto tem chance de ser também aprovado pela Câmara. Talvez com rapidez equivalente. A proibição do contingenciamento mexe com prerrogativas importantes do Executivo. Azar: é castigo natural para quem usa de forma contumaz e arbitrária o que deveria ser excepcional e bem explicado. Sempre é possível esperar que, se o projeto virar lei, faça aumentar o senso de responsabilidade no Congresso a respeito do que decidir na área da segurança. Em contrapartida, dá para conceber um cenário diferente, em que o presidente Lula, caso seja mantido o seu poder de contingenciar as verbas da segurança, passe a fazê-lo com constrangimento e prudência. Uma coisa é certa: neste momento, e por algum tempo mais, a opinião pública estará cobrando dos poderes da República medidas tão enérgicas quanto sensatas, tão radicais quanto práticas, no sentido de aperfeiçoar consideravelmente nosso aparato de segurança pública. Idealmente, pede-se estrutura que cuide da prevenção à punição, passando por uma política de ressocialização inteligente (o que exige ser bem munida de recursos: sem eles, todo sistema é burro). Existindo esforço honesto nessa área, a proibição do contingenciamento de verbas na área da segurança pública não apenas faz sentido: torna-se indispensável. |
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, fevereiro 23, 2007
Luiz Garcia - Contingenciar a indignação
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