Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Como escapar do golpe do disque-seqüestro

Terror pelo telefone

O golpe do falso seqüestro, aplicado por bandidos
de dentro dos presídios, se espalha pelo país. É mais
uma prova de que o Brasil está de joelhos diante do crime


Juliana Linhares

Montagem sobre ilustrações Digital Vision/Getty Images


Exclusivo on-line
Áudios do golpe e transcrições das conversas

O vergonhoso rol de crimes-que-só-existem-no-Brasil (onde estão listadas, entre outras criações autóctones, o arrastão carioca e o seqüestro-relâmpago) agora inclui mais um item: o disque-seqüestro. A modalidade – em que presidiários munidos de celular extorquem pessoas de boa-fé convencendo-as de que têm em mãos seus filhos ou cônjuges – disseminou-se por todo o país nos últimos meses. É a prova da inépcia do Estado brasileiro, que não consegue coibir crimes e ilegalidades flagrantes nem nas suas próprias dependências. Em 2006, só nas cidades de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre e Brasília, quase 10.000 pessoas declararam à polícia ter sido vítimas do golpe. Levando-se em conta que o número de casos não registrados é até quatro vezes maior do que o de notificados – e que há registros crescentes de ocorrências também no Ceará e na Bahia –, pode-se concluir que o disque-seqüestro atingiu níveis epidêmicos. Na segunda-feira passada, em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, a aposentada Mércia Mendes de Barros, de 67 anos, sofreu um infarto depois de receber uma ligação de um telegolpista. Ela atendeu ao telefonema de um homem que dizia ter seqüestrado seu filho e que pedia 60.000 reais para libertá-lo. Enquanto o marido foi ao banco retirar parte do dinheiro, Mércia, que era cardíaca, passou mal e morreu. O autor da ligação usou o script e a atitude clássica dos especialistas em extorsão por telefone: depois de dizer que o filho de Mércia havia sido seqüestrado, deu início à série de ameaças, pressões e insultos que caracteriza esse tipo de diálogo (veja trechos de conversas interceptadas pela polícia entre um membro de quadrilha especializada em disque-seqüestro e suas vítimas).

O disque-seqüestro teve origem na Penitenciária Carlos Tinoco da Fonseca, em Campos, no Rio, há cinco anos. Em sua versão primitiva, presos convenciam as vítimas de que elas haviam sido sorteadas em promoções de empresas. Para receber supostos prêmios, como TVs e DVDs, elas deveriam comprar cartões telefônicos de celulares pré-pagos e repassar os códigos para seus interlocutores. O objetivo dos detentos, até então, era apenas manter os celulares em atividade para que pudessem continuar se comunicando com familiares e parentes ou administrando eventuais "negócios" fora da cadeia. A Coordenadoria de Inteligência do Sistema Penitenciário (Cispen) do Rio de Janeiro apurou que, em menos de seis meses, o bando da Carlos Tinoco lesou mais de 1.500 moradores das regiões Sul e Sudeste do país. Hoje, mais de 90% das ligações de disque-seqüestro continuam partindo do interior de presídios – a maior parte deles localizados no Rio (veja quadro). Para conseguir os números das vítimas, os presos se valem de listas telefônicas, agendas de telefones celulares roubados e números anotados atrás de cheques igualmente roubados. Além da Carlos Tinoco, as cadeias mais ativas são o complexo de Bangu e o presídio Evaristo de Moraes. Delas se irradia grande parte dos golpes aplicados no país. Atualmente, são três as modalidades de disque-seqüestro em circulação:

• O bandido se faz passar por bombeiro ou policial rodoviário. Depois de "informar" a vítima sobre a ocorrência de um acidente, sugere que uma das pessoas "gravemente machucadas" pode ser seu parente. O golpista aproveita-se do nervosismo de seu interlocutor para extrair dele informações como nome e características de um filho ou cônjuge que esteja na rua àquela hora. Nesse momento, o bombeiro se transforma em seqüestrador e passa a ameaçar a vítima.

• Ao atender o telefone, normalmente de madrugada, a vítima ouve uma voz chorosa pedindo socorro. "Mãe" ou "pai", diz a voz, "eles me pegaram". Em geral, a pessoa, na tentativa de se certificar se é seu filho (ou filha) que está falando, acaba revelando seu nome. Imediatamente, o bandido entra na linha e anuncia o seqüestro.

• O bandido diz que foi contratado por um inimigo da vítima para seqüestrá-la e matá-la. Em seguida, diz que, mediante o pagamento de uma determinada quantia, pode contar-lhe quem é o mandante do crime e desistir de cometê-lo.

Embora os roteiros inventados pelos bandidos possam parecer pouco críveis, um surpreendente número de pessoas termina enganado por eles. Estudo feito pelo Departamento de Investigações sobre Crime Organizado (Deic), em conjunto com a Coordenadoria de Análise e Planejamento da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, mostra que 20,5% das vítimas abordadas pelos golpistas acreditam na história dos bandidos e pagam o "resgate". "A capacidade de manipulação dos criminosos é tamanha que, recentemente, a polícia recebeu queixas de famílias inteiras que se hospedaram em hotéis por imposição dos bandidos", diz Youssef Abou Chahin, diretor do Deic. Depois de anunciar o falso seqüestro de um parente, os criminosos ordenam que os familiares se dirijam a um hotel sob o argumento de que precisam se certificar de que ninguém entrará em contato com policiais. No hotel, a família é orientada a usar apenas o aparelho telefônico do quarto. Só então os bandidos dão início à negociação do resgate do parente supostamente seqüestrado. Há poucas semanas, policiais de São Paulo tiveram a notícia de que um colega, da Polícia Civil, pagara 15.000 reais a uma quadrilha de disque-seqüestro. O policial não só conhecia o golpe como já havia socorrido amigos que foram vítimas dele. Ainda assim, sucumbiu.

Há duas explicações para o fato de pessoas experientes e bem-informadas caírem no golpe. A primeira é que, por menos plausível que pareça a conversa dos bandidos, para uma enorme parcela dos brasileiros ela está longe de soar como ficção. Seqüestros – relâmpago ou de cativeiro – representam, para os moradores das cidades grandes, um pesadelo real. Embora o número de ocorrências do gênero tenha caído 60% em São Paulo e 70% no Rio desde 2002, o crime continua fazendo vítimas. Na capital paulista, no ano passado, 1 148 pessoas foram vítimas de seqüestros do tipo relâmpago e 62 foram levadas para cativeiros. Na última quarta-feira, a polícia desmontou uma quadrilha de dez seqüestradores que agia no interior do estado. Em dezembro do ano passado, ela seqüestrou um empresário do ramo de artigos para escritório. Pego em uma chácara em Caucaia do Alto (a 50 quilômetros de São Paulo), ele ficou seis dias em poder do bando e foi libertado depois do pagamento do resgate. A polícia acredita que esse foi o terceiro seqüestro da quadrilha. Uma das integrantes do bando era a professora Miriam José Gomes, de 38 anos. Até 2004, ela dava aulas para crianças em uma escola pública em Cotia.

A outra explicação tem origem na tortura psicológica imposta pelos bandidos. Eles afirmam às vítimas estar de posse de seus filhos ou, então, cônjuges. "São as pessoas com quem temos laços afetivos mais profundos", diz o psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e coordenador do Grupo Operativo de Resgate da Integridade Psíquica (Gorip). "A possibilidade de perdê-los faz com que as pessoas entrem no que, cientificamente, chamamos de estreitamento do campo de consciência", afirma. O estado de desorganização mental que se segue a uma notícia de acidente ou seqüestro do filho ou cônjuge, diz o psiquiatra, faz com que a vítima entre em um estado de "quase-hipnose". VEJA teve acesso a interceptações telefônicas, feitas pela polícia do Rio entre novembro de 2006 e janeiro de 2007 (ouça as gravações), com conversas entre um membro de uma quadrilha de falsos seqüestradores e suas vítimas. Em um dos diálogos gravados (veja quadro), ouve-se uma voz, evidentemente masculina, dizendo aos prantos: "Mãe, fui assaltado". A mulher que atende – talvez por ter uma filha, e não um filho – ignora o fato de a voz ser de um homem e diz: "Foi assaltada?". Logo em seguida, diz o nome da filha – que é tudo o que o bandido do outro lado da linha queria saber. "Quase todas as informações que esses criminosos usam para intimidar as vítimas foram fornecidas por elas mesmas", afirma o delegado Wagner Giudice, diretor da Divisão Anti-Seqüestro da Polícia Civil de São Paulo. O empresário A.F., que caiu no golpe na última terça-feira (veja o depoimento), confirma a tese do delegado. "Fiquei tão nervoso que acabei contando para o bandido não só o nome da minha filha como o endereço da minha casa, todos os números dos meus telefones e o modelo dos meus carros", diz.

O psiquiatra Paulo Argarate, professor de psicologia forense do Complexo Jurídico Damásio de Jesus, lista alguns outros truques usados pelos golpistas do disque-seqüestro: "Eles falam rápido para confundir as vítimas, ligam de madrugada, quando as pessoas estão com a capacidade de discernimento alterada, e falam na terceira pessoa do plural, de maneira a mostrar que não estão agindo sós". Mais persuasivo do que os truques dos bandidos, no entanto, afirma o psiquiatra Ferreira-Santos, é o ambiente de violência em que vivem os brasileiros que habitam as metrópoles. Num cotidiano assaltado por barbáries como o assassinato do menino João Hélio, arrastado até a morte por bandidos, e de Vinícius de Oliveira, queimado vivo com seus pais dentro de um carro, o medo permanente tornou-se um componente da vida das pessoas. "O clima de insegurança é tamanho que ficamos todos esperando que chegue a nossa hora: a nossa vez, ou a de nossos parentes, de ser seqüestrados, assaltados. Quando recebemos um telefonema desses, poucos de nós agimos racionalmente. Só pensamos: pronto, aconteceu." É o Brasil de joelhos diante do crime.

Com reportagem de Wanderley Preite Sobrinho

"Eu me sinto uma idiota"

Manoel Marques


"Estava saindo de casa para trabalhar quando o telefone de casa tocou. A ligação era do Rio e a história, a mesma: primeiro, minha irmã havia sofrido um acidente. Depois, o acidente virou um seqüestro. "Quanto você tem aí, agora?', a voz perguntou. Na hora, fiquei tão apavorada imaginando que minha irmã pudesse estar em um cativeiro, machucada, que não me passou pela cabeça ligar para ela. Disse que tinha uns 400 reais na conta. O bandido disse que eu deveria sacar o valor e comprar tudo em cartões telefônicos. Pedi ao meu irmão menor que estava em casa que fizesse a operação e continuei pendurada ao telefone com o desgraçado. Meu irmão trouxe os cartões e, enquanto eu passava os números para o bandido, minha mãe chegou para o almoço. Ao saber o que estava acontecendo, pegou o celular e ligou para minha irmã, que atendeu. Eu estava tão fora de mim que, mesmo sabendo que minha irmã estava bem, continuei a passar os códigos dos cartões. Quando terminei, o homem disse: 'Agora vou soltar a sua irmã'. E eu já sabia que ela estava bem! Até hoje, quando falo disso, me sinto uma idiota. Depois desse episódio, recebi dois outros telefonemas parecidos. Num deles, um homem disse que havia seqüestrado minha filha. Como não tenho filha, não pensei duas vezes: xinguei e bati o telefone na cara dele. "

ROBERTA RIBEIRO TORRES
27 anos, designer (SP)

"Ouvia choros e soluços ao fundo"

Mirian Fischtner


"Eu havia acabado de abrir a minha farmácia quando o telefone tocou. Uma voz de homem disse que havia acontecido um acidente de trânsito e perguntou se eu tinha uma filha que dirigia. Disse que sim. Ele começou a fazer uma série de perguntas – o nome dela, a marca do carro – e eu, nervoso, respondia a tudo. Só pensava que ela poderia estar esmagada debaixo de um caminhão. Nesse momento, uma segunda pessoa entrou na linha e disse que, na verdade, minha filha havia sido vítima de um seqüestro. Perguntou se eu estava disposto a pagar o resgate. Eu concordei na hora: estava aliviado por saber que minha filha não estava morta. O sujeito exigiu que eu fosse a uma agência da Caixa fazer um depósito de 1 000 reais e avisou que eu não poderia desligar o celular em nenhum momento. Às vezes, eu ouvia choros e soluços ao fundo, e pensava que era minha filha. Fiz o depósito e ele, então, pediu que eu fosse a um shopping comprar créditos de cartão para uso em celular. Comecei a desconfiar. No shopping, procurei uma balconista e escrevi uma mensagem para ela, pedindo que ligasse para minha casa e chamasse minha filha. Quando ela veio ao telefone, interrompi a conversa com o bandido. Foi como se eu tivesse despertado de um sonho."

R., 55 anos, farmacêutico (RS)

"Tenho medo da vingança do bandido"

Regis Filho

"Às 7 da manhã, o telefone tocou e minha mulher atendeu. Em seguida, virou-se para mim e disse: 'Seqüestraram a Luciana*'. O bandido escutou o nome dela. Foi a deixa para que começasse a nos torturar. Dizia que, se não lhe déssemos 100 000 reais, ele balearia minha filha e atearia fogo ao corpo. Minha mulher desmaiou, o terror piorou. Ele perguntou meu endereço e eu dei. Quantos e quais carros eu tinha, e eu falei também. O nervosismo era tanto que eu ia entregando tudo. Pensei em ligar para minha filha, mas o bandido dizia que, se o celular dela tocasse, ele a mataria. Enquanto isso, meu filho acordou e, ao ver o que se passava, ligou para a polícia e depois para a irmã. Constatou que ela estava bem e colocou o fone no meu ouvido para que eu a ouvisse. Mas, mesmo ouvindo a voz da minha filha, não acreditava que era ela. Cheguei a perguntar seu RG e o nome dos nossos cachorros, enquanto tapava o bocal do outro telefone para que o bandido não escutasse. A polícia chegou em casa nesse momento. Orientou-nos a aceitar marcar um lugar para a entrega do dinheiro e prendeu a pessoa que foi apanhar o pacote. Mesmo depois dessa prisão, continuo devastado. Os outros bandidos sabem onde fica nossa casa. Tenho medo que queiram se vingar."

A.F., 60 anos, microempresário (SP)

*Nome fictício

Ouça a conversa
"AQUI É O TENENTE DOUGLAS"

– Boa noite, senhora, aqui é o tenente Douglas, da Polícia Militar. É que ocorreu um acidente com alguém que disse que é um familiar seu. Uma das pessoas fortemente acidentadas, após passar o seu número, acabou desmaiando (...)

A senhora tem esposo, filho na cidade?

– Qual o nome da pessoa?

– Estou pedindo a ajuda da senhora porque a pessoa tá inconsciente...

– É Lídia.

– Lídia? (...) É ela mesmo.

– Ela tá viva?

– Tá viva. Na verdade, não foi acidentada, ela tá com a gente, foi vítima de um seqüestro. Se a senhora tentar chamar o seu marido, ou desligar o telefone, a gente vai tocar fogo na sua filha viva! É isso que a senhora quer?

– Não, por favor!

Trecho de conversa telefônica
interceptada pela polícia do Rio de Janeiro



Ouça a conversa

"ME AJUDA, MÃE"

(Voz de homem, chorando)
– Mãe, mãe!

– Hein?

– Eu fui assaltado! Me ajuda, mãe!

– Foi assaltada?

– Fui!

– Quem é?

– Sou eu, mãe.

– Fernanda?

– É!

(Outra voz de homem) – Alô, minha senhora, a Fernanda se encontra com a gente. Preste muita atenção no que eu vou falar pra senhora.

(Chorando) – Ai, meu Deus, não faz isso!

– Calma, que tem conversa. Fica tranqüila que eu vou passar pra senhora tudo o que está acontecendo. A Fernanda se encontrava no lugar errado e na hora errada. A senhora não ponha a polícia envolvida no meio. Quem está junto com a senhora em casa aí? Eu tô ouvindo voz! Não bota ninguém! Se o telefone dela tocar aqui e se envolver a polícia no meio, a Fernanda morre!

Trecho de conversa telefônica
interceptada pela polícia do Rio de Janeiro



Ouça a conversa

"OS CARAS ME PEGARAM"

(Voz de homem, chorando)

– Mãe, mãe... Pelo amor de Deus, fala comigo!

– (...) Como é que a gente vai saber onde você está? Tem que perguntar a alguém aí, Rodrigo!

– Eu não conheço este lugar... Os caras me pegaram aqui na rua...

– (...) Chama o homem aí!

(Outra voz de homem) – Alô?

– Quem está falando?

– Eu não posso falar quem está falando. Houve pânico, correria, a polícia perseguiu a gente e esse rapaz veio baleado de raspão na perna.

– Ele está onde?

– A senhora já viu seqüestrador informar onde é o cativeiro? Você vai ter seu filho com vida, mas se fizer o que eu mandar, entendeu?

Trecho de conversa telefônica
interceptada pela polícia do Rio de Janeiro



Ouça a conversa

"QUERO 30 000 REAIS"

– Meu filho, eu não tenho muito dinheiro...

– Então vamos negociar dentro do que a senhora tem.

– Eu não tenho, eu sou aposentada, eu tive câncer...

– Vai ter de negociar comigo. A vida dele vale mais do que o quê?

– O que é que você quer?

– Eu quero 30 000 reais.

– Ah, meu filho, 30 000 reais eu não tenho!

– Quanto tem abaixo disso?

– Eu tenho 2, 3 000...

– Tá na mão?

– Não, eu tenho de arrumar...

– Ah, então ele morre!

– Onde você vai me entregar ele?

– A gente vai marcar em praça pública. É homem de palavra com quem a senhora está falando.

– Eu posso arrumar 2 000 reais. Eu tenho de arrumar, é coisa de duas horas, três horas.

Trecho de conversa telefônica
interceptada pela polícia do Rio de Janeiro

"O PRESÍDIO INTEIRO LIGAVA"


Onobeto Barata/AE
CENA BRASILEIRA
Celulares apreendidos em cadeia paulista: janela para o mundo Trecho de conversa telefônica interceptada pela polícia do Rio de Janeiro

O ex-presidiário M., de 31 anos, contou a VEJA como praticava extorsões por telefone de dentro do presídio Osiris Souza e Silva, em Getulina, interior de São Paulo, onde ficou três anos detido por roubo. M. está solto

COMO VOCÊ CONSEGUIU UM CELULAR DENTRO DA PRISÃO?
Comprei de um "limpão" (policial) por 1 000 reais. Era roubado. Antes de chegar à cadeia, ele passou por um sujeito que trabalhava numa empresa de celular e que fez o aparelho voltar a funcionar, depois de ter sido bloqueado pelo ex-dono. Na prisão, esses telefones são chamados de "diretinhos". Dava para ligar de graça para a Bahia, para o Rio de Janeiro, para todo lugar.

OUTROS PRESOS TAMBÉM LIGAVAM?
O presídio inteiro. Tinha cara que parecia secretária de multinacional: não desligava o telefone. Cada um contava uma história mais escabrosa do que o outro. Os carcereiros passavam, viam a gente pendurado no celular e não falavam nada. Quando precisavam de dinheiro, "descabelavam" nós (sic) (o termo significa quebrar os objetos dos presos, incluindo celular e TV, e jogar fora suas roupas e objetos pessoais). Depois, vendiam tudo para a gente.

VOCÊ APLICAVA OS GOLPES SOZINHO?
Não. Um parceiro trabalhava comigo lá fora. Ele seguia de moto uns empresários da Avenida Paulista, onde tem muitos escritórios. Descobria onde era o trabalho deles, que carro tinham, onde era a casa, em que colégio os filhos estudavam. Depois, me passava as informações.

O QUE VOCÊ FALAVA PARA AS PESSOAS PARA QUEM LIGAVA?
Falava que sabia onde ela morava e trabalhava e que ela ia ter problemas se não arranjasse o dinheiro que eu queria.

SÓ ISSO?
Nos primeiros minutos, a pessoa vacilava, dizia que não sabia quem eu era e que não tinha dinheiro. Aí, eu colocava mais terror. Dizia que ia pegar a esposa dele na rua ou, então, tocava no nome de filho: "Teu filho estuda em tal escola, e está sendo vigiado. Você tem o que eu quero e, se não me pagar, tua vida vai virar um tormento". Meu jeito era o de falar manso, só no drama psicológico.

QUANTO VOCÊ PEDIA?
Tem conhecido meu que pedia até 100 000 reais. O máximo que eu pedi em um telefonema foi 6 000.

O QUE FEZ COM O DINHEIRO?
Dividi com o olheiro e gastei na cadeia.

COMPRANDO O QUÊ? DROGA?
Droga, bebida e celular. Tudo vendido por 'ladrão fardado' (policial). Nunca pensei em seqüestrar alguém de verdade. Meu trabalho era entrar na mente das pessoas. Tem muita gente que é fraca da cabeça e se deixa levar com um simples telefonema. Lamentável.

A FARRA DO CELULAR

Jose Patricio/AE
A FARRA DO CELULAR
Preso rebelado ao telefone: só agora isso virou falta grave


Em toda rebelião em presídio registrada pelas TVs surge a imagem de presos falando ao celular. O número de aparelhos hoje em circulação nas cadeias é incalculável. Só no mês passado, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo apreendeu 214 telefones em poder de presos. A polícia estima que existam, atualmente, 800 centrais telefônicas clandestinas ligadas ao sistema prisional. A corrupção nos presídios é a principal explicação para a desenvoltura com que detentos se comunicam com o mundo exterior, comandando seqüestros, motins e extorsões. A polícia sabe que são os funcionários dos presídios os principais fornecedores de aparelhos telefônicos para os bandidos. Prova disso é que nem os detectores de metal e os aparelhos de raios X instalados recentemente nas penitenciárias paulistas conseguiram diminuir o número de celulares apreendidos. A situação é compreensível: o funcionário desonesto não recebe nenhuma punição se for pego com o aparelho, e, como também não há investigação para saber como o telefone entrou na cadeia, ele se sente à vontade para continuar o contrabando. Na quarta-feira passada, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que tenta mudar esse cenário, tornando falta grave o uso do celular pelos presos. Na prática, isso significa que, se a lei passar pelo Senado, o detento faltoso poderá começar a sofrer sanções como a perda do direito à progressão da pena. Ainda é pouco. Afirma o promotor Roberto Porto, autor do livro Crime Organizado e Sistema Prisional: "O uso do celular deveria ser considerado um crime pelo qual o preso pagaria passando mais uma temporada na cadeia. Só assim essa prática seria coibida".

Marcelo Carneiro

10 MANEIRAS PARA
EVITAR CAIR NO GOLPE

1. Conheça os "scripts" mais comuns
Embora varie nos detalhes, a história dos golpistas é sempre a mesma. Acompanhe as notícias sobre os golpes para se manter informado sobre as novas versões (veja os mais comuns na pág. 40)

2. Não receba ligações a cobrar
Se o interlocutor for desconhecido, desligue. Policiais e bombeiros não telefonam para informar sobre acidentes (a tarefa cabe aos hospitais) nem, muito menos, ligam a cobrar

3. Não ajude o bandido dando-lhe informações
– Sua filha sofreu um acidente.

– A Fernanda? O que aconteceu com a Fernanda?

O nervosismo faz com que muita gente, sem perceber, acabe passando aos bandidos informações que serão usadas para pressioná-las. Em nenhuma hipótese revele nomes de parentes a desconhecidos ao telefone

4. Tire os adesivos do carro
Adesivos com o nome da academia de ginástica ou da faculdade, assim como placas que reproduzem o apelido dos motoristas (BIA, LEO etc.) e páginas no Orkut são preciosas fontes de informação para os bandidos. Evite e peça aos seus filhos para evitar

5. Oriente também os idosos
Tanto ou mais do que crianças e empregadas, são as pessoas idosas da família as mais vulneráveis à manipulação dos bandidos. Muitas vezes, por se sentirem sozinhas, elas podem prolongar conversas com desconhecidos e acabar por municiar criminosos

6. Pare para raciocinar
O pânico diante da possibilidade de um parente estar acidentado ou seqüestrado faz com que muitas pessoas deixem de tomar atitudes óbvias, como checar se a informação é verdadeira. Segundo a polícia, freqüentemente as vítimas deixam de ligar para o suposto seqüestrado não porque são impedidas de fazê-lo, mas porque a idéia não lhes ocorre

7. Desobedeça ao bandido
Ligue para o suposto seqüestrado ainda que o bandido diga para não fazê-lo. Se conseguir contato, o caso está resolvido. Se não, tente um amigo ou parente dele. A hipótese de um seqüestrador real fazer essa ameaça é remota – bandidos não vão matar a vítima, e perder seu trunfo, só porque o celular dela tocou

8. Desconfie de ligações longas
Segundo estatísticas da polícia, 90% dos primeiros contatos telefônicos feitos por seqüestradores reais duram menos de um minuto. Por temerem ser rastreados, eles nunca fazem ligações longas

9. Duvide do choro das vítimas
Apelos chorosos de supostos seqüestrados têm sido usados com freqüência pelos golpistas. A polícia sabe que raramente seqüestradores de verdade telefonam do mesmo lugar em que está a vítima. Sabem que podem ser rastreados e ter o cativeiro descoberto

10. Dê queixa na polícia
Se você cair no golpe, não deixe de prestar queixa na polícia. De posse de informações como o número de origem da chamada criminosa ou o número da conta em que o "resgate" foi depositado, a polícia pode identificar o criminoso e evitar que mais pessoas sejam vítimas dele

Fontes: delegados Youssef Abou Chahin, diretor do Deic, e Wagner Giudice, diretor da Divisão Anti-Seqüestro (DAS)

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