Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Reflexões sobre a violência João Mellão Neto


Artigo -
O Estado de S. Paulo
16/2/2007

As terríveis circunstâncias da morte do menino João Hélio, na semana passada, no Rio de Janeiro, revoltaram a Nação e ocasionaram inúmeros debates na mídia. Cada um deu a sua opinião. Não concordo com muitas delas.
Não foram poucos os que recorreram ao lugar-comum de que nossa sociedade está doente e apodrecida e de que nunca antes na História houve atrocidades tão bárbaras como as que estamos presenciando. O mito de que "no passado era melhor" é tentador e muitos recorrem a ele por saberem que as pessoas, em geral, costumam ter uma visão idílica e idealizada sobre os tempos que se foram. O fato é que o passado, tanto o recente como o remoto, sempre foi muito mais desumano que os tempos atuais. A impressão de que as coisas pioraram advém de que, com os modernos meios de comunicação, a opinião pública passou a ter conhecimento instantâneo e detalhado dos horrores que ocorrem. E isso desperta muito mais emoções e repugnância na comunidade.
Crimes cruéis sempre foram perpetrados, muitas vezes com chancela oficial, como no caso das guerras e execuções, e - para recorrer a exemplos nossos - na época da colonização e da escravidão. Consta que nossos celebrados bandeirantes costumavam punir os insurretos amarrando-os em árvores e mergulhandoos, lentamente, em rios infestados de piranhas, para que fossem devorados aos poucos, antes de morrer. A morte rápida, por decapitação, até a Revolução Francesa era privilégio dos nobres. Os demais condenados eram amarrados na roda e sofriam bastante antes de morrer, com espancamentos e afogamentos. Pouca gente sabe, mas a terrível guilhotina foi inventada e adotada com fins humanitários. Ela poupava a dor dos supliciados porque matava instantaneamente. Os revolucionários a adotaram por motivos igualitários. Por que, se todos eram iguais, só os nobres tinham direito à morte sem dor? Dali em diante, nobres e plebeus teriam direito a ser executados pelo mesmo instrumento. Rápido, eficaz, indolor...
A crucificação foi adotada pelo Império Romano para punir seus dissidentes justamente por ser a forma conhecida mais cruel da época. O crucificado morria lentamente, por asfixia progressiva, e por vezes a morte só chegava depois de horas de suplício. Era comum quebrarem-se as pernas do condenado com pauladas, para que eles não pudessem apoiar-se na madeira e, assim, aliviar seu sofrimento.
Se essas eram as formas de punir os criminosos, imagine-se com que requintes de crueldade estes agiam. As execuções, até o século 20, eram realizadas em praça pública. Não só para servir de exemplo, mas também pelo fato de que as multidões sempre tiveram um prazer macabro em assistir à dor e ao suplício.
Não se justifica, portanto, a tese de que "no passado era melhor". O contrário parece ser mais verdadeiro. Embora os crimes bárbaros continuem ocorrendo em todas as partes do mundo, a pena de morte vem sendo progressivamente abolida. Morte com dor, então, nem se fala. Procura-se encontrar formas cada vez mais eficazes de execução indolor, como a injeção letal, e poucos são os países que ainda promovem execuções em público.
Os abismos da mente humana são insondáveis e Shakespeare ainda é o melhor escritor que soube interpretá-los. Sempre houve e sempre haverá, em todas as sociedades e em todas as classes, crimes hediondos e cruéis e a nada leva ideologizar essa questão. O capitalismo, o neoliberalismo e a injusta distribuição de renda nada têm que ver com isso. Dizer que a pobreza, por si só, leva ao crime é insultar os muitos milhões de pobres que, apesar das agruras, levam sua vida de forma honesta. Suzane von Richthofen é rica, bem-educada, e, no entanto, ajudou a matar os próprios pais.
Resta-nos a outra opinião recorrente: a de que tudo se resolveria com uma Justiça mais eficaz, penas mais severas e a eventual redução da idade para a maioridade penal.
Medidas socioeducativas, com pregam parte das nossas esquerdas, remetem o problema para a próxima geração.
Elas devem ser implantadas, mas não nos podemos fiar apenas nelas para reduzir nosso angustiante problema da criminalidade. Punições mais severas - e, principalmente, a certeza de ser punido - levam o criminoso a pensar duas vezes antes de agir.
Um sistema legal que permite ao condenado passar para o regime semi-aberto tendo cumprido apenas um sexto da pena faz com que nenhum criminoso permaneça na cadeia por mais de cinco anos. Vamos convir que isso não dissuade ninguém.
Outra questão é a da maioridade penal. A simples redução da idade não é solução definitiva para nada, mas não entendo por que nossos renitentes defensores dos ditos direitos humanos se apegam tanto à idade mínima de 18 anos. Esse tema virou tabu e não dá para compreender por


Quem se compadece dos lobos condena à morte as ovelhas


que não se discute o tema sob um prisma mais racional. É sabido e notório que muitos jovens menores de idade entram para o crime estimulados pela garantia de impunidade.
A idade de 18 anos, se não me engano, se lastreia numa incorreta interpretação de resolução da ONU na qual se afirma que o jovem só atinge a plena maturidade nessa idade. Mas isso não quer dizer que ele, necessariamente, só possa ser punido a partir dela. Em todos os países da União Européia, campeã em direitos humanos, a maioridade penal varia dos 10 aos 16 anos e, na América Latina, os tais 18 anos só existem no Brasil, no Equador, na Venezuela e na Colômbia. Quase todos os demais países do mundo adotam a maioridade penal aos 16 anos ou menos. Por que nós teimamos em ser diferentes? Chega de indulgência. Não há meio termo. Sem repressão mais vigorosa, logo estaremos presenciando atos violentos ainda mais revoltantes do que este que vitimou João Hélio.
A vida nos obriga a escolhas difíceis. A verdade é que quem se compadece dos lobos condena à morte as ovelhas.


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