Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

O Acre ainda é brasileiro


editorial
O Estado de S. Paulo
16/2/2007

Ufa! O presidente Evo Morales concluiu sua visita a Brasília e o Acre ainda é brasileiro. Não que o governo brasileiro não tenha cedido, mas só porque a Bolívia não pediu o território de volta. De resto, tudo o que o presidente Evo Morales pediu - e, em alguns casos, exigiu -, obteve. E com isso confirma-se o que já escrevemos nesta página inúmeras vezes: quando se trata da Bolívia, o governo Lula sempre faz o oposto do que diz que faria.
Há dias, quando o presidente Morales e seus ministros ameaçaram cancelar a viagem a Brasília se o governo brasileiro não se comprometesse antes a aumentar o preço do gás comprado pela Petrobrás, o Itamaraty reagiu, como sempre, energicamente. A atitude de Morales era uma "infantilidade" e refletia o "amadorismo" da política externa boliviana.
Além disso, "paciência tem limite". De fato. O ex-cocalero deve estar, agora, rindo a bandeiras despregadas dos maduros profissionais da diplomacia brasileira. Levou para casa, entre outros troféus, um aumento no preço do gás equivalente a US$ 100 milhões anuais. Nada mau para um amador.
Há pelo menos nove meses o governo brasileiro vinha afirmando que a revisão do preço do gás era assunto a ser resolvido tecnicamente entre a Petrobrás e a YPFB, não cabendo uma solução política, como pleiteava Evo Morales. A Petrobrás, por sua vez, só admitia discutir ajustes nos termos do contrato - ou seja, antes de 2010 não haveria aumento e, no interregno, o preço poderia flutuar acompanhando o preço internacional de uma cesta de combustíveis. A dois dias da chegada de Morales, a ministra Dilma Rousseff declarava que o preço pago pela Petrobrás "está bem compatível com o preço praticado no mundo". O contrato, portanto, não seria "ferido".
Uma breve conversa entre os presidentes Lula e Morales mudou tudo isso. Numa decisão obviamente política, fezse um artifício contratual. O gás a ser fornecido pela Bolívia passará a conter mais 300 Kcal por metro cúbico e por isso a Petrobrás pagará um aumento que varia de 3% a 6%, resultando, segundo cálculos bolivianos, em US$ 100 milhões anuais. A Petrobrás ainda vai fazer os cálculos de quanto custará a generosidade - pormenor que revela como foi improvisada a decisão e define de que lado está o amadorismo - ou a irresponsabilidade.
A Petrobrás, que havia suspendido os investimentos na Bolívia por causa da instabilidade criada pelo governo Morales, agora retomará um projeto de construção de um pólo gás-químico na fronteira, ao custo de US$ 3 bilhões. O Brasil financiará a construção de estradas e de uma unidade de biodiesel. E o presidente Lula, que já fez uma doação em dinheiro à Bolívia, anunciou que, em março, levará mais recursos de presente.
O presidente Lula deu a mesma explicação de sempre para as concessões feitas a seu colega boliviano: o Brasil precisa ser "generoso" com os vizinhos. Afinal, "não somos os imperialistas que alguns dizem que somos.
Não somos hegemônicos como alguns querem que sejamos". O problema é que, dominado pela preocupação de ser generoso e não parecer imperialista e hegemônico, o atual governo se esquece de proteger os interesses brasileiros. É, por exemplo, um completo contra-senso, do ponto de vista dos interesses nacionais, o compromisso que o presidente Lula assumiu com Morales de acelerar o processo de integração plena da Bolívia ao Mercosul, com a agravante de postular tarifa zero para a linha tarifária daquele país. (A Bolívia quer integrar-se plenamente ao Mercosul sem assumir as obrigações da Tarifa Externa Comum, mantendose filiada ao regime da Comunidade Andina.) Além disso, Evo Morales já declarou que, "se a Bolívia entrar no Mercosul, será para fazer profundas reformas no Bloco", e nisso acompanhou seu mestre, Hugo Chávez. Ou seja, o Mercosul será, para Morales, apenas uma plataforma para o processo de autarquização da economia boliviana e a divulgação de suas originais idéias políticas. Se com o ingresso da Venezuela o Mercosul praticamente fechou portas e janelas para fazer acordos comerciais com as economias mais dinâmicas do mundo, com a adesão da Bolívia, patrocinada por Lula, a obra se completará.
Como sempre faz depois de atender aos pedidos de Evo Morales, o presidente Lula fez uma advertência: "Nem sempre poderei atender a todas as demandas. Precisamos agir como chefes de Estado." Não anunciou quando assumirá as funções.

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