Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Dora Kramer - Reforma abre alas e pede passagem



O Estado de S. Paulo
16/2/2007

Primeiro foi a Associação Nacional dos Procuradores da República, depois surgiu um documento do PT falando no assunto, já abordado com algum detalhamento pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na polêmica carta ao PSDB divulgada durante a campanha eleitoral.
Agora é o governo, que incorpora sugestões da Ordem dos Advogados do Brasil e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, e se prepara para enviar ao Congresso Nacional uma série de propostas de mudanças no sistema de representação popular.
Todas essas sugestões fazem parte do que se poderia chamar genericamente de reforma política e vão formando, devagar, uma agenda para a qual o Parlamento mais cedo ou mais tarde terá de despertar.
Há poucos pontos em comum entre elas (a fidelidade partidária é um deles), várias são claramente divergentes entre si, mas servem muito bem para se começar um debate que o Congresso teima em ignorar.
Pudera. Se a sugestão principal dos procuradores da República já tivesse sido adotada, por exemplo, muitos deputados envolvidos em escândalos não estariam na Câmara.
Os procuradores propõem que pessoas condenadas em primeira instância sejam inelegíveis. Hoje, a função eletiva só é vedada a condenados com sentença final.
Os parlamentares processados podem se candidatar - muitas vezes o fazem em busca da imunidade e do foro especial de Justiça -, enquanto para se prestar um concurso público há a exigência da ficha limpa.
A sugestão é até conservadora, já que a presunção de inocência cabe apenas ao cidadão comum, mas ao agente público tal atributo não pode ser apenas presumido.
De qualquer maneira, é um movimento. O essencial é mexer com o assunto. Sejam as propostas nebulosas (alteração da forma de convocação de plebiscitos e referendos); de eficácia questionável (financiamento público de campanhas); avançadas (voto distrital e possibilidade de revogação de mandatos antes do fim, o chamado "recall"); moralizadoras (extinção da figura do suplente de senador "nomeado") ou simplesmente inócuas (redução do mandato de senador de oito para quatro anos), o bom é que traduzem demandas.
Pela primeira vez, governo e entidades descruzam os braços e agem para romper a proposital paralisia do Congresso no trato do tema, deixado de lado quando da redemocratização do País exatamente porque bate de frente com as conveniências de quem faz as leis.
O Poder Legislativo é soberano e deve ser preservado em suas funções. Mas precisa ser cobrado e pressionado.
Livre e solto, tende a se acomodar e a adotar o corporativismo como regra-mãe.
Exemplo recente e eloqüente é a escolha de deputados envolvidos em escândalos, ou técnica e politicamente desqualificados para assumir determinadas funções, como presidentes e titulares de comissões permanentes da Câmara.
Na mais importante delas, a de Constituição e Justiça - encarregada de vetar ou autorizar a tramitação de projetos -, o filho do presidente da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, Leonardo Picciani, ganhou o posto por conta da influência política do pai sobre o governador Sérgio Cabral Filho; integram a comissão os deputados João Paulo Cunha, José Menor, José Genoino e Paulo Maluf. Os três primeiros envolvidos no escândalo do mensalão e o último acusado por crimes de corrupção.
Geraldo Pudim, acusado junto com o ex-governador Anthony Garotinho de compra de votos da eleição municipal de Campos (RJ), também está na CCJ. Antonio Palocci usou o cargo de ministro da Fazenda para quebrar o sigilo bancário de um cidadão, é processado por isso, mas ganhou assento na Comissão de Finanças, ao lado de João Magalhães, acusado de integrar a máfia dos sanguessugas.
A lista é farta. Difícil é achar uma comissão onde não haja processados e acusados. Direito de ocupar os postos, em tese todos eles têm. Mas são parlamentares cujas condutas foram questionadas, vários ainda devem satisfações à Justiça. A lei lhes confere tais prerrogativas, mas o decoro aconselharia pelo menos a que não integrassem a linha de frente dos trabalhos do já tão combalido Poder Legislativo.


O Congresso ainda não acordou, mas propostas já desenham o perfil da reforma política

Agenda
No primeiro semestre, o governador de São Paulo, José Serra, receberá o presidente americano George Bush, o presidente da Alemanha e o Papa Bento 16 - por ordem de entrada em cena.
Na missão precursora à visita do Papa, o núncio apostólico manifestou desejo de que o encontro de Bento 16 com o presidente Luiz Inácio da Silva aconteça na sede do governo paulista, em virtude das condições de segurança.
No Palácio dos Bandeirantes, entretanto, imagina-se que haverá gestões do Itamaraty pela escolha de outro local. Politicamente mais neutro.
Lá avalia-se que o governo federal não tem nenhum interesse em dar margem à interpretação de que Serra cumpre agenda presidencial.
Interpretação esta que - sem querer querendo - faz a delícia do reino da tucanagem. Paulista, bem entendido.


Arquivo do blog