Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 13, 2007

MERVAL PEREIRA -Biodiesel social

À medida que o mundo começa a discutir seriamente as energias alternativas ao petróleo, e que a possibilidade de o Brasil se tornar, a médio prazo, uma potência na chamada “energia verde” vai se tornando uma realidade, as disputas pelo mercado começam a gerar divergências. Na semana passada, em um seminário da Fundação Luso-Brasileira em Lisboa, o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Biodiesel, Nivaldo Rubens, fez uma crítica ao selo de combustível social que o governo criou, para que a agricultura familiar seja parte integrante da política oficial de biocombustível.

Segundo ele, os pequenos agricultores não têm condições, nem estão sendo orientados pelo governo, para participar efetivamente do programa.

Essa interferência governamental na política energética foi também criticada, de maneira indireta, por António Mexia, presidente do Conselho de Administração do grupo Energias de Portugal (EDP), que em sua exposição disse que o preço da energia estava sendo rebaixado nos leilões pela atuação das empresas estatais, que aceitavam remuneração incompatível com o retorno de lucros esperado pelas empresas privadas.

O economista Adriano Pires, consultor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura, já chamara o modelo criado pelo governo petista de hostil ao capital privado. Ele cita o álcool como exemplo de sucesso, que se desenvolve obedecendo às leis de mercado.

Segundo ele, do jeito que está sendo conduzido, com a intenção política de ajudar pequenas propriedades rurais, o programa de biodiesel não ganhará escala de produção.

Segundo essa visão, o biodiesel vai dar certo não é com a mamona, mas com a soja. Exatamente o contrário do que pretende o governo.

A propósito da coluna que escrevi de Lisboa, refletindo as críticas desses setores da iniciativa privada, o coordenador do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, Arnoldo Campos, esclarece que o programa “não estimula exclusivamente a agricultura familiar. O Selo Combustível Social garante apenas uma participação mínima da agricultura familiar em cada região do país”.

As indústrias de biodiesel que compram matéria-prima da Região Centro-Oeste precisam adquirir pelo menos 10% do total utilizado com origem na agricultura familiar, o mesmo percentual exigido do Norte. Já no Sul e no Sudeste, o percentual mínimo é de 30%. E no Nordeste, onde existem pelo menos dois milhões de agricultores familiares, é de 50%.

Ele esclarece que “o principal fornecedor é o agronegócio em qualquer região do país”. O que não queremos, afirma, “é a exclusividade para o agronegócio e para a soja, o que é bom para o país e para o programa”. A partir de janeiro de 2008, quando vigorar o uso obrigatório do biodiesel no Brasil, “as empresas estarão livres, como estão hoje, para optar ou não pelo Selo Combustível Social”.

Arnoldo Campos também rebate as críticas de que o governo não estaria dando condições para a agricultura familiar participar do programa.

“Um dos principais incentivos foi o mecanismo dos leilões, através do qual fomentamos a instalação de usinas e a realização de parcerias com os agricultores familiares. Com as aquisições já feitas, perto de 200 mil famílias de pequenos agricultores serão envolvidas na produção de oleaginosas em todo o país até o final de 2007”, garante ele.

Também o empresário Jório Dauster, presidente da Brasil Ecodiesel, produtora de mais da metade do biodiesel do país, é favorável política do governo. Ele lembra que o novo combustível “vem sendo fabricado a partir de qualquer óleo vegetal ou gordura animal, independentemente do porte das propriedades em que teve origem a matéria-prima”.

O que existe, destaca Jório Dauster, é a isenção total do PIS/Cofins, definida em lei, para aqueles fabricantes de biodiesel que preencham cumulativamente três condições: utilizem óleo extraído da mamona ou da palma; que essas plantas sejam originárias do Norte, do Nordeste ou do semiaacute;rido; e, por fim, que sejam produzidas pela agricultura familiar.

A isenção vai sendo reduzida se não forem preenchidas as três condições, mas sempre se aplica caso a matériaprima tenha origem na agricultura familiar. “Em contraste, caso o biodiesel seja produzido, por exemplo, a partir do óleo de soja produzida numa grande propriedade mecanizada do Centro-Oeste, seu fabricante não gozará de nenhuma isenção fiscal”.

Para Dauster, essa vantagem fiscal “é justamente aquilo que confere ao programa nacional de biodiesel o caráter de inclusão social que faltou no caso do etanol, cuja produção, malgrado haver gerado imensas vantagens tecnológicas e econômicas, conduziu a uma evidente concentração de renda, uma vez que a cana-deaçúcar provém de grandes propriedades com alto grau de mecanização”.

Ele lembra que, nas regiões beneficiadas pelo programa do biodiesel, existem imensas áreas que não se prestam a culturas intensivas devido à pobreza do solo e à irregularidade pluviométrica, “mas onde vivem — ou mal sobrevivem — milhões de brasileiros marginalizados pelo sistema econômico”.

É a esses que se destinam hoje as transferências de renda, tipo Bolsa Família, e o benefício fiscal embutido no programa do biodiesel, lembra Jório Dauster, “pode oferecer às populações excluídas uma oportunidade de escapar da miséria, ao mesmo tempo em que contribui para reduzir o consumo de combustíveis fósseis e assim diminuir a emissão de gases poluentes”.

Como se vê, são visões distintas da iniciativa privada envolvida na produção de energia no país, e sobretudo uma disputa entre os produtores de soja e os demais.

Tudo indica que a política governamental, no que toca ao biodiesel, está no caminho certo, ao incluir a agricultura familiar na cadeia produtiva sem impedir que iniciativa privada possa ter um papel relevante.

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