Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Crimes sem castigo LUIZ GARCIA

Até que ponto, e em quais circunstâncias, o menor pode ou deve ser beneficiado pela idade, quando acusado de crime grave, como o homicídio? Há países, como os Estados Unidos (onde adolescentes se transformam em assassinos com assustadora freqüência), nos quais as leis consideram que as circunstâncias do delito — como o grau de violência e a gratuidade — justificam o julgamento do jovem como adulto.

Não precisamos imitar exemplos alheios.

Mas é sensato examinar o efeito de nossas leis sobre a nossa realidade.

Aqui não há flexibilidade alguma. O menor de 18 anos, sejam quais forem os antecedentes e o perfil psicológico, é internado numa Febem, onde poderá ficar até a maioridade — esteja ou não pronto para se integrar à sociedade.

Isso deveria bastar para que repensássemos o sistema, a partir de uma reavaliação do Estatuto da Criança e do Adolescente (não seria a primeira) e também de uma análise fria das diferenças entre o ideal e o possível. A morte de João Hélio, de 6 anos, merece ser um ponto de partida. Tem suficiente carga emocional para isso: emocionou e indignou o país inteiro. O menino foi morto quando rapazes roubaram o carro de seus pais, e os expulsaram sem permitir que levassem o filho — que ficou do lado de fora do automóvel, preso ao cinto de segurança. João Hélio foi arrastado por ruas de quatro bairros em alta velocidade. Diversos depoimentos indicam que a dupla sabia que o menino estava preso ao carro.

Dos jovens criminosos detidos, um tem 18 anos e pode ser condenado a até 30 anos de reclusão. Parece muito, mas é muito pouco: a extraordinária brandura do sistema penal permite que volte para as ruas no máximo dentro de cinco anos (um sexto da pena).

Teoricamente, isso só aconteceria se provasse estar recuperado. Na prática, basta não participar de motins ou não ser flagrado cometendo qualquer delito grave na prisão.

Também em tese, a liberdade seria condicional.

Falso: não existem no Brasil fiscais do comportamento de condenados nessa situação.

As autoridades sequer sabem seu endereço, se têm emprego fixo etc.

Outro assassino, menor de idade, ficará detido no máximo três anos. O sistema também não tem como aferir a sério suas condições de ressocialização. É mais honesto falar em cumprimento de prazo do que em recuperação de verdade.

O Estatuto do Menor já foi revisto uma vez. Sincero esforço; de pouco adiantou.

Ainda é patético o distanciamento entre as boas intenções da lei e a possibilidade de sua aplicação para valer.

Também há quem defenda a antecipação (erradamente chamada de “redução”) da maioridade penal. Pouca diferença fará se nada mais mudar. A sociedade não estará mais bem protegida se jovens criminosos passarem do sistema em que são libertados ao chegarem à maioridade para aquele em que voltarão às ruas, em 99,9% dos casos, após cumprirem um sexto da sentença.

É doloroso que ninguém, em nome da sociedade ou do Estado, possa honestamente dizer aos pais de João Hélio que sua morte bárbara pelo menos será estopim de alguma mudança racional e sensata no sistema penal brasileiro.

Todos os precedentes desestimulam qualquer esperança.

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