Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Fim da CPMF Denis Lerrer Rosenfield


Uma ocasião ímpar se apresenta aos cidadãos brasileiros e aos partidos políticos verdadeiramente responsáveis: o prazo de 31 de dezembro de 2007, no qual expira o prazo de vigência da CPMF e da DRU (dispositivo que permite ao governo movimentar livremente 20% da arrecadação). Trata-se de uma oportunidade que não pode ser perdida, pois nela se joga um futuro melhor. Muito se tem falado sobre a necessidade de redução dos mais diferentes tributos, sempre se postergando, no entanto, essa iniciativa em nome de uma sempre incerta reforma tributária. A reforma não vem e a arrecadação tributária é cada vez maior. Agora, a alternativa apresenta-se concretamente, porque a manutenção da CPMF e da DRU exige a aprovação de uma emenda constitucional. Partidos e parlamentares conscientes podem, então, exercer a delegação que lhes foi conferida de defender os cidadãos, aqueles que pagam impostos e pouco recebem de retorno.

A discussão sobre a reforma tributária está restrita a uma conversa entre 'amigos': o presidente, os ministros, os governadores, os secretários de Estado e alguns parlamentares, como se fosse uma questão apenas interna à burocracia estatal. Os contribuintes, os que realmente pagam, são considerados meros espectadores, devendo permanecer em silêncio. O governo é muito loquaz, aos outros cabe o mutismo. Tudo termina reduzido a um problema entre os recursos destinados à União, aos Estados e aos municípios, numa suposta realocação de porcentuais. Assim é compreendida a reforma tributária que nada reforma. O bolo tributário é considerado como permanente, cada entidade federativa pretendendo uma maior fatia para si. O problema é tão mal colocado que não entra em ordem de consideração uma diminuição do bolo, que redundaria em proveito de toda a sociedade. É como se a sociedade fosse o fermento, que deveria sempre fazer crescer o bolo da burocracia estatal, em suas várias instâncias. O problema corretamente colocado consistiria em repensar as relações entre a sociedade e o Estado, de tal modo que a primeira pudesse usufruir mais e melhor os recursos por ela mesma produzidos. A função do Estado reside em servir à sociedade, e não esta àquele.

A recente discussão do PAC mostrou um lado particularmente perverso dessa questão quando os governadores exigiram, para a aprovação desse projeto, 20% da CPMF para os Estados e 10% para os municípios. Quiseram somente aumentar o seu quinhão. Se atendidos, pressionariam os parlamentares dos seus respectivos Estados. O perigo é real, pois, em caso de aprovação dessa 'redistribuição tributária', todas as possibilidades existiriam de essa contribuição dita provisória se tornar permanente. O presidente estaria contente, os governadores, também, e infeliz a sociedade em seu conjunto. O verdadeiro engajamento seria uma luta resoluta pelo fim dessa contribuição, representando o interesse nacional. Deveria ser essa a missão dos partidos políticos comprometidos com a sociedade, com o desenvolvimento e com a justiça.

O argumento da responsabilidade para justificar a prorrogação da CPMF e da DRU é falacioso. Ele se baseia, de fato, na irresponsabilidade do governo em conter os seus gastos. O mecanismo funciona da seguinte maneira: o governo não cessa de aumentar os seus gastos correntes, cria o déficit e, ato subseqüente, necessita de mais impostos para cobrir os seus rombos. Na verdade, a irresponsabilidade governamental aparece travestida de uma suposta responsabilidade fiscal. Estamos, portanto, diante de um círculo vicioso: mais gastos, mais impostos, mais gastos, mais impostos, e assim indefinidamente. O governo sempre encontrará uma maquiagem para justificar um incremento de despesas, que, depois, terminam por se tornar fixas, irredutíveis. Como se nada pudessem fazer, dirão ainda os irresponsáveis detentores do poder: encontrem fontes alternativas para que possamos cobrir o déficit. Ou seja, eles criam o problema e fazem de conta que estão transferindo a solução, quando, na verdade, já sabem qual é: mais 'impostos' impostos aos cidadãos.

A solução consiste em romper esse círculo vicioso. A não-prorrogação da CPMF e da DRU obrigará os governantes a enfrentarem as suas responsabilidades. Eles não poderão mais transferir aos outros a sua própria incapacidade na gestão pública. Com menos recursos dos contribuintes, eles deverão cortar despesas. Trata-se da única forma de o Estado fazer o seu dever de casa, enxugando os seus gastos, conferindo eficiência à administração pública, fazendo menos demagogia e equacionando os problemas. A não-prorrogação da CPMF permitiria colocar o problema fiscal nos seus devidos termos, de tal maneira que o governo se veria obrigado a conter a sua fúria tributária. Criado o novo e verdadeiro problema, começaríamos uma nova era, com a sociedade aliviada e a corrupção tendo uma de suas fontes cortadas. A corrupção se alimenta de um Estado fortemente centralizado, burocratizado e ineficiente na gestão.

Os contribuintes, por sua vez, teriam mais recursos à sua disposição. Famílias teriam mais dinheiro para fazer face às suas próprias necessidades com alimentação, moradia, saúde e educação. Não podemos esquecer que os impostos, taxas e contribuições devoram em torno de 40% do orçamento familiar. Menos tributos implicam também mais recursos deixados para que pessoas empreendedoras possam incrementar os seus vencimentos. Menos tributos significam maiores responsabilidades para a sociedade em seu conjunto.

A mudança tributária em favor do cidadão, do contribuinte, se impõe. Ela não virá, porém, da passividade, mas da mobilização da sociedade, cuja participação é indispensável para o sucesso de tal empreitada. Ela virá, igualmente, de partidos que souberem empunhar essa bandeira. O trabalho começa desde já.


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