Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 18, 2007

ENTREVISTA Aécio Neves

'A única segurança que eu tenho é que estaremos juntos em 2010'

Aécio Neves, governador de Minas Gerais


BASE: 'Vejo com preocupação o esvaziamento sucessivo da estruturação do novo governo Lula'


PODER: 'A partir de 2008 as aproximações partidárias se darão em torno de novas expectativas de poder'


VONTADE : 'Não vejo, no governo Lula, essa ação proativa, esse ânimo para iniciar o novo mandato'

Carlos Marchi

O governador de Minas Gerais,Aécio Neves, está desencorajando apostas numa disputa selvagem entre ele e o governador de São Paulo, José Serra, pela indicação do candidato à Presidência do PSDB em 2010. 'Eu e Serra estaremos juntos daqui a quatro anos, podem estar certos, e temos responsabilidade para não antecipar 2010.'

Ele assume um compromisso: 'Hoje, a única segurança que eu tenho é que nós estaremos juntos em 2010.' Em entrevista ao Estado, o governador diz que o PSDB precisa se preocupar em construir, para 2010, uma candidatura que tenha 'naturalidade'.

Aécio diz que não vê ânimo no presidente Lula para o segundo governo e que está preocupado 'com o esvaziamento sucessivo da estruturação do novo governo'. Na sua opinião, Lula está montando sua nova base de apoio em cima da distribuição de cargos e não de um projeto. Por isso, sentencia, a base 'nascerá frágil'. Ele antecipa que não vê condições de o País crescer 5% em 2007 sem que os Estados participem desse esforço.

No segundo mandato, alerta Aécio, o governante deve se renovar para superar o cansaço e os primeiros seis meses são vitais para fazer as reformas essenciais. 'Dois meses já se passaram e poderemos ter um ano perdido', opina. Ele diz esperar que Lula 'aproveite muito bem essa primeira fase para fazer as reformas que marcarão o seu governo'. O presidente, avalia, terá 'alguma tranqüilidade' até 2008; a partir daí, as alianças se darão 'em torno das novas expectativas de poder'.

O tucano é contra a reeleição, mas gosta da idéia de escolher o presidenciável do PSDB em prévias. Diz que seu partido precisa se modernizar e inspirar as pessoas. Nega a saída antecipada do senador Tasso Jereissati (CE) da presidência da sigla e admite que o PSDB colaborou para a vitória de Arlindo Chinaglia (PT-SP) para a presidência da Câmara. 'Foi um equívoco', arremata. Eis a entrevista:

O que garante a fidelidade dos governadores da base aliada do governo ao movimento para mudar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)?

O convencimento é natural, porque os governadores da base aliada perceberam que não existe diferença entre as demandas de Estados governados pela oposição e dos governados pela situação. Nossa agenda não é de oposição, mas de alternativas para o governo Lula, que tem uma grande e talvez única oportunidade de estabelecer uma parceria com os governos estaduais. Não há condições de o Brasil crescer 5% ou algo próximo disso em 2007 sem que os Estados participem desse esforço.

A cobrança do PT por uma participação maior no governo atrapalha o presidente Lula?

Todo governo que se elege sem um projeto visível - e isso ocorreu com o PT - fica sempre mais vulnerável a pressões da base, que agora surgirão com muita força. Espero que o presidente compreenda que seu compromisso maior é com a população brasileira, e não com os partidos que lhe deram sustentação. O segundo mandato, se traz algum cansaço e limitações, permite ao governante um olhar mais elevado, que não privilegie conveniências partidárias em detrimento do interesse nacional.

O senhor está indo para o segundo mandato, como o presidente Lula. Quais os riscos que identifica na repetição?

Eu não gosto do instituto da reeleição. Ele não é republicano, não está nas nossas tradições. Carrega consigo o grande fantasma da continuidade, do cansaço, da fadiga de materiais. No segundo mandato, o governante tem de se renovar a cada momento, estabelecer novas e ousadas metas. Vejo o mandato do presidente Lula com dois momentos muito distintos. No primeiro, até as eleições de 2008, quando parlamentares da base aliada garantirão as bases para suas reconduções em 2010, há alguma tranqüilidade para o presidente. Mas a partir de 2008 as aproximações partidárias se darão em torno de novas expectativas de poder. É preciso que o presidente Lula aproveite muito bem essa primeira fase para fazer as reformas que marcarão o seu governo. Confesso que acho tímida a ação do governo em relação às reformas estruturantes, entre elas a tributária e a previdenciária, que nem sequer, hoje, são lembradas pelo governo.

O governo Lula está construindo bem a sua base de apoio?

O que falta a ele é um projeto em torno do qual essa aliança se construa. Ela está se construindo em torno da distribuição de cargos e não em torno de um projeto. Por isso, a aliança nascerá frágil. Nós já vimos esse filme lá atrás e sabemos que ele termina com resultados perversos para a sociedade. O início de um governo é o seu momento de maior vigor. Vejo com preocupação o esvaziamento sucessivo da estruturação do novo governo Lula. Até que os novos ministros assumam seus cargos, conheçam o seu funcionamento e comecem a trabalhar, talvez o melhor momento tenha passado. Dois meses já se passaram e poderemos ter pela frente um ano perdido.

O senhor usou bem os primeiros meses de seu governo?

Na lógica da administração pública, todo governo perde capital político a cada dia, uns mais rápido, outros menos. Se fiz um primeiro mandato bem-sucedido em Minas, devo muito às medidas tomadas no primeiro mês de governo. Estou repetindo a dose agora. Mas eu não vejo essa ação proativa, esse ânimo de iniciar o novo mandato no governo Lula. Talvez ainda haja tempo e isso mude...

O Bolsa-Família elegeu Lula. O que, efetivamente, o PSDB pensa sobre esse programa?

O Bolsa-Família precisa ter portas de saída tão estimulantes quanto as de entrada. Em Minas estamos implantando programas inovadores, como o Poupança Jovem, que vai permitir a emancipação do cidadão que eventualmente esteja filiado ao Bolsa-Família. Não quero crer que a ampliação do Bolsa-Família possa ser o grande projeto de um governo. Ele foi essencial num dado momento, mas tão ou mais importante do que ele é criar condições, através da qualificação, de novas oportunidades de trabalho para as famílias que hoje dependem do programa.

A reforma política deve acabar com a reeleição?

O fim da reeleição, com mandato de cinco anos, é o modelo mais adequado para o País. Eu defendo também o voto distrital misto com lista, a fidelidade partidária e o financiamento público de campanha.

Está na moda a refundação de partidos. Vai acontecer com o PSDB?

O PSDB é hoje um partido vital à democracia brasileira e à modernização do Estado brasileiro. Mas, como todo partido, precisa se reciclar, se modernizar, precisa ouvir a população. Nós estamos buscando fazer isso. A sucessão do senador Tasso Jereissati, se vier a se dar, se dará em novembro. Não há qualquer possibilidade de antecipação ou previsão de antecipação do processo eleitoral. Vamos aproveitar este ano, que não tem eleições, para falar a segmentos da sociedade brasileira, da qual nós nos afastamos, esta é a grande verdade. O partido precisa inspirar as pessoas em relação ao futuro, identificar novas bandeiras e modernizar o seu discurso, torná-lo popular, nacional. Temos de nos preocupar em avançar em determinadas regiões do País, em especial no Nordeste, onde tivemos, na última eleição, um desempenho pífio, que não é de responsabilidade do candidato, mas de todo o partido. Questões como essas devem ser as nossas prioridades durante este ano.

O novo presidente do PSDB será de São Paulo, de Minas ou de nenhum dos dois?

Não acho que o Estado de origem do futuro presidente seja o mais importante. Penso que o partido precisa se nacionalizar, precisa ter, mais do que um presidente, um discurso nacional. Temos de construir juntos esse discurso. Entre nós tem de haver, também, desprendimento para não anteciparmos questões futuras para uma disputa interna. A estruturação do partido, quanto a seu funcionamento, deve ser muito mais profissionalizada do que é hoje. O presidente Tasso tem inúmeros méritos, teve papel extremamente importante na candidatura de Geraldo Alckmin, independentemente do resultado, foi muito vigoroso na defesa das teses do partido e, portanto, precisa ser muito respeitado e ouvido no encaminhamento do futuro do PSDB.

O senhor e o governador José Serra se vacinaram contra intrigas?

Eu tenho com o governador José Serra uma relação mais próxima e profunda do que muitos imaginam. Acho que certamente todos nós temos os nossos defeitos. Tem quem goste mais de um, tem quem goste mais do outro. Mas nós dois temos espírito público, temos visão muito semelhante do que o País precisa viver. Nosso compromisso com o País, nossa visão em relação à eficiência do Estado como instrumento de desenvolvimento econômico e social. E isso nos aproxima muito mais do que qualquer intriga possa nos separar. Podem estar certos de que nós temos responsabilidade para não antecipar 2010, mas estaremos juntos em 2010. Somos governadores de dois importantes Estados, com demandas enormes a serem enfrentadas todos os dias, praticamente, e precisamos ter tranqüilidade para fazer isso. Temos ainda uma longa estrada a percorrer até 2010. Hoje, a única segurança que eu tenho é que nós estaremos juntos em 2010.

Hoje, quem é seu candidato para 2010? O senhor mesmo?

O PSDB não deve ter hoje um candidato para 2010. Mais do que um candidato, queremos ter um presidente da República. E para isso o candidato será aquele que construir com naturalidade essa candidatura e as perspectivas de vitória. Uma candidatura presidencial, para ter chances reais de sucesso, precisa ter grande dose de naturalidade. Isso, o tempo é que dirá. Serra tem todas as condições de construir essa sua caminhada, mas antecipar esse processo, a meu ver, é prematuro e também vai contra o interesse do partido, que é consolidar sua unidade interna. O PSDB só terá uma candidatura vitoriosa em 2010 se estiver sinceramente unido, se renovar seu discurso, se voltar a inspirar confiança nas pessoas. O nome surgirá no momento certo, com muita naturalidade. Da minha parte, haverá absoluto desprendimento.

Tasso quer prévias para escolher o candidato presidencial. O senhor concorda com a idéia?

Gosto da idéia. Ela vai ao encontro do que nós precisamos, ao prever que os eleitores participem das decisões do PSDB não apenas na hora de votar. Vamos amadurecer internamente qual o modelo mais adequado, mas a tese conta, desde já, com minha total simpatia.

Como o senhor explica o apoio do PSDB ao petista Arlindo Chinaglia para a presidência da Câmara?

Foi um equívoco. O PSDB deveria estar unido na outra direção. Reconheço que houve divisões no meu próprio Estado. Sempre fui muito cioso da liberdade do Congresso de encontrar seus caminhos, por isso tive atuação discreta no episódio. Mas a avaliação que faço, sem qualquer subterfúgio, é que o caminho adequado ao PSDB era somar-se à candidatura Aldo Rebelo. Os parlamentares que me procuraram e ouviram minha opinião caminharam nessa direção. Mas o PSDB teve grande responsabilidade na eleição de Chinaglia.

Aécio Neves entrou para a política aos 22 anos, como secretário do avô Tancredo Neves, então candidato à Presidência. Depois foi quatro vezes deputado federal, quatro vezes líder do PSDB, presidente da Câmara e governador de Minas, eleito em 2002 e reeleito em 2006 com o inédito porcentual de 77% dos votos válidos.

O ENTREVISTADO

Aécio Neves entrou para a política aos 22 anos, como secretário do avô Tancredo Neves, então candidato à Presidência. Depois foi quatro vezes deputado federal, quatro vezes líder do PSDB, presidente da Câmara e governador de Minas, eleito em 2002 e reeleito em 2006 com o inédito porcentual de 77% dos votos válidos

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