Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

A corrida por cargos irrita o presidente

Nem ele agüenta mais

A voracidade dos aliados por ministérios
amarga o doce poder de escolha de Lula


Otávio Cabral

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Montagem com fotos Roberto Jayme/AE, Ed Ferreira/AE, Antonio Cruz/ABR, Eduardo Lazzarini/Folha Imagem, Hélvio Romero/AE, José Cruz/ABR

O início de um mandato presidencial costuma ser um tempo de bonança: o governante está feliz com sua recente vitória eleitoral, está bem cotado nas pesquisas e, esbanjando poder, vira alvo da paparicação dos políticos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve uma reeleição consagradora, mantém altos níveis de popularidade e ainda tem 46 meses de poder pela frente – mas anda nervoso e irritadiço. Isso ficou claro durante uma reunião em que estava sendo comunicado sobre detalhes da visita do presidente da Bolívia, Evo Morales, realizada na semana passada. Lula disse: "Com tantos problemas por aqui, ainda vou ter de agüentar esse Evo discutindo o preço do gás". O diagnóstico sobre sua inquietação é unânime entre os assessores mais próximos: Lula detesta sofrer pressões e, neste momento, tem sido alvo delas por todos os lados. Elas partem dos aliados, que têm consumido suas melhores energias e capital político engalfinhando-se na disputa por cargos na Esplanada dos Ministérios.

Em conversa com um interlocutor com quem discutia a reforma, na semana passada, Lula fez um desabafo: "Por mim, iria com o ministério que está aí até o fim do governo. Quanto mais técnicos e menos políticos, menor a dor de cabeça que eu tenho". As pressões foram particularmente intensas na semana passada. Em apenas dois dias, Lula recebeu a fatura carguista de quatro partidos, que reivindicam ocupar um tal volume de cargos que, somados todos os pedidos, talvez fosse necessário criar mais uns 300 ministérios. O PT, além dos seus catorze atuais, quer mais dois. O PMDB, que hoje tem dois, faz planos para dobrar seu tamanho, abocanhando quatro pastas. O PP quer pelo menos manter o que já tem, o PR quer de volta o que já teve. O PTB tem um ministério e quer algo mais, nem que seja um carguinho de líder do governo no Congresso. O PV parece contente com o que já tem, mas o PCdoB, o PSB e o PDT ainda estão na fila, na expectativa de conhecer o seu quinhão no novo governo.

É a primeira vez que o presidente Lula enfrenta esse festival de voracidade carguista distribuído entre tantos pretendentes. Em janeiro de 2003, quando tomou posse do primeiro mandato, Lula dividiu o governo com poucos partidos. Dos 34 ministros empossados, vinte eram petistas, muitos dos quais derrotados na eleição do ano anterior. Além disso, Lula convidou nomes pela sua capacidade técnica, e não pela filiação partidária, como Roberto Rodrigues, que ficou na Agricultura, e Luiz Fernando Furlan, que ocupa até hoje o Desenvolvimento. Agora, no segundo mandato, o presidente até tentou reeditar a fórmula do passado no que diz respeito à nomeação de notáveis. Chegou a convidar o empresário Jorge Gerdau, dono do grupo Gerdau, para suceder a Furlan no Desenvolvimento, mas o convite foi gentilmente recusado. Na semana passada, diante da maré montante de pedidos, Lula prometeu aos dirigentes partidários que os novos ministros estarão nomeados até o início de março.

"Acho que o presidente vai adiar mais uma vez", prevê, ressabiado, o deputado e ex-ministro das Comunicações Eunício Oliveira, do PMDB do Ceará. "Não me surpreenderei se a reforma ficar para abril." A desconfiança decorre do fato de que esse é o quinto prazo para a reforma ministerial anunciado por Lula desde a sua reeleição, no fim de outubro passado. Primeiro, a reforma se daria até dezembro. Depois, a data-limite passou a ser o período entre o Natal e o Ano-Novo. Em seguida, ficou para o início de fevereiro, assim que se realizasse a eleição para a presidência da Câmara e a do Senado. Depois, o novo prazo saltou para logo após o Carnaval. Agora, foi adiado para o início de março. Os adiamentos sucessivos mostram que o presidente está encontrando dificuldades para achar nomes do seu agrado – ou para contornar as pressões, inclusive as do PT. Lula disse em uma reunião na semana passada: "O que mais me irrita é o PT tentando fritar o Tarso. Não agüento mais o Zé Dirceu tentando impedir que o Tarso vá para a Justiça".

Um dos sinais da insatisfação de Lula veio a público na festa dos 27 anos do PT, em Salvador, na semana anterior. Ao discursar, Lula, quebrando o clima festivo, resolveu passar um pito nos líderes presentes. Reclamou das eternas brigas internas do partido, em referência velada à disputa entre as alas de José Dirceu e do ministro Tarso Genro, e pediu "maturidade" e "juízo" ao partido. "Eu me pergunto por que a gente não sabe levantar um pouco a metralhadora para atingir os inimigos e atiramos tanto nos nossos pés", disse. Na semana passada, apesar das reclamações contra o comportamento do PT, Lula cedeu às pressões vindas do partido. Seus auxiliares mais diretos informam que o presidente decidiu mesmo transferir Tarso Genro para o Ministério da Justiça, em substituição ao advogado Márcio Thomaz Bastos, e entregar o comando do Ministério da Educação à ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy. Com isso, Lula espera que o PT se dê por satisfeito e deixe de assediá-lo. A partilha de cargos tem custado a paciência do presidente, mas é melhor obter apoio político por meio da divisão do poder do que recriar a ciranda de valeriodutos e mensalões.

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