Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 28, 2006

RUBENS RICUPERO Crise mundial: ameaça ou oportunidade?

FOLHA


Quanto mais cedo vier o ajuste americano, maiores as chances de aterrissagem suave para os EUA e o mundo

TUDO QUE se possa dizer sobre o risco de nova crise mundial são variações sobre o tema da incerteza. Elas se reduzem, no fundo, ao dilema: estamos diante de mais um susto passageiro, destinado a dissipar-se em alguns dias, ou é o início do ajuste das economias norte-americana e mundial? A pergunta se desdobra em outra: o que é melhor para o Brasil, a continuação do "desequilíbrio estável" dos últimos anos ou o começo de ajustamento para criar, de fato, um equilíbrio estável?
Em favor do falso alarma militam a longa série de ameaças que se dissolveram aos raios de sol da exuberância irracional dos mercados e a dimensão de pouca monta do fator desencadeador do temor recente: o pequeno aumento do núcleo da inflação americana e a perspectiva de elevação de mais 0,25 ponto percentual sobre taxa de 5% ao ano. Nada que se compare, por exemplo, à inflação de 11% no fim do governo Carter e à brutal elevação dos juros a 14% e mais decretada por Paul Volker pouco depois.
Em sentido contrário, pesam os sinais de desaquecimento do mercado imobiliário dos EUA, os indícios de que o longo período de petróleo caro começa a trazer de volta a inflação, como se vê na valorização do ouro e das commodities, e a convicção generalizada de que "tudo aquilo que não pode durar para sempre um dia acaba". É pouco para decidir, mas é o que temos.
Quanto à segunda questão, embora seja natural preferir o desequilíbrio conhecido ao equilíbrio ignorado, cabe indagar se isso se justifica em nosso caso. Afinal, pouco aproveitamos a expansão mundial para crescer, é verdade que devido à dosagem dos juros e outras mazelas. Surfamos na onda do comércio, das commodities e da melhora dos termos de intercâmbio. Esse oxigênio deu para manter a economia na UTI, mas, com a demanda interna estrangulada pelos juros, não deu para crescer. Esperamos demais, e agora é tarde: os estragos que o câmbio vem provocando no agronegócio e na indústria exportadora, com crescente desassossego social, indicam claramente que mesmo a manutenção da demanda externa de nada servirá, pois o real forte nos expulsará dos mercados, a serem atendidos por outros.
Conforme observava, dias atrás, Octaviano Canuto, as economias que serão atropeladas pela crise são as que combinam moeda supervalorizada com déficit comercial e em conta corrente. O Brasil se enquadra perfeitamente no primeiro critério, o qual conduz ao segundo, ao desaparecimento dos saldos. É só questão de tempo. Será melhor esperar o ajuste no momento em que o real supervalorizado tiver liquidado nossos saldos e nos devolvido aonde estávamos em 1998?
Quanto mais cedo vier o ajuste americano, maiores as chances de aterrissagem suave para os Estados Unidos e o mundo. Para ser eficaz, o ajuste terá de ser acompanhado da correção das colossais distorções que a China e outros asiáticos estão provocando na competitividade, por meio das manipulações para evitar a valorização de suas moedas perante o dólar. O FMI (Fundo Monetário Internacional) acaba de receber mandato para consertar o câmbio em dimensão mundial.
Se conseguir, será a salvação para o Brasil, que não logrou adotar sozinho política de câmbio capaz de proteger a competitividade até em setores em que gozamos de insuperáveis vantagens comparativas. Um cenário justo para o câmbio mundial seria um meio poderoso para evitar que nosso mercado interno seja arrasado pela competição predatória asiática e nos daria condições para concorrer com os asiáticos em exportações industriais para os mercados desenvolvidos.
Em resumo, o ajuste não terá de ser necessariamente negativo desde que gradual e com soluções às atuais distorções, sobretudo cambiais. A recente onda de volatilidade tem o mérito de revelar o perigo de depender em excesso do mercado externo para crescer anemicamente, graças à demanda internacional. Em épocas de incerteza, é mais importante do que nunca criar condições para crescimento equilibrado, isto é, baseado não só nas exportações mas puxado igualmente pela demanda interna. Para tanto, é indispensável que os dois preços fundamentais da economia -o juro e o câmbio- não continuem como agora, em relação perversa um com o outro, mas que sejam capazes de contribuir para a competitividade da indústria e da agroindústria brasileiras.

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