Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, maio 31, 2006

Primeira Leitura : Reclamando e andando Por Liliana Pinheiro

O governador de São Paulo, Cláudio Lembo, vai se transformando, pouco
a pouco, em guru do apocalipse político. É o líder efêmero da turma
do voto nulo, por exemplo, basicamente formada pelos órfãos do PT.
Lembo e os expulsos do jeito petista de governar se encontram na
crítica genérica aos tucanos aburguesados, na crucificação do
pefelismo coronelista e no namoro discreto com a reeleição de Lula —
desde que promovida por outras mãos que não as próprias. É sopa no
mel para o pessoal que se viu, do dia para a noite, com direito à
crítica política sem a canga do partido operário, mas também sem
coragem para alçar vôo mais alto. Salve Lembo, grita essa gente boa e
confusa. Ele se tornou a voz dos escravos que não sobrevivem sem o
conhecido, ainda que isso se traduza pela senzala da velha Arena.

O primeiro “desabafo” de Lembo, naqueles dias de PCC nas ruas de São
Paulo, foi aparentemente aceito pela maioria — não por mim, que
protestei de pronto. Mas, vá lá, foi entendido como reação natural à
pressão do momento por uns, ou ao isolamento político, que precisava
ser rompido, por outros. Nos dois casos, ele não fazia nenhum mal à
política ao chamar à responsabilidade o PSDB e o PFL nacionais. O que
se seguiu mostrou que as cobranças do governador sugeriam movimentos
de conveniência pessoal e política. Nisso, foi vitorioso. Talvez seja
até agraciado pelo poder federal num futuro próximo.

E a classe das “mãos limpas” na hora do voto — anular virou
“protesto” de gente bacaninha — pede bis. Diz que quer diversão ao
estilo fim do mundo até que outro Brasil surja. Nada presta, nenhum
partido vale a pena, “ninguém fala a minha língua”... Assim segue o
mantra da orfandade petista que não votará em Lula, tampouco em
Geraldo Alckmin, em Heloísa Helena, em Enéas e em quem mais pintar.
Perguntinha impertinente: o outro Brasil, onde caibam partidos que
valham a pena e políticos que prestem, além de espaço para falar a
língua que qualquer um bem entender, emergirá pelas mãos de quem
mesmo? Do voto nulo, a única coisa que haverá será a reeleição de
Lula no primeiro turno. E uma longa vida política a Cláudio Lembo,
para oferecer a diversão durante o fim do mundo da desorganização
política, para além da que foi feita no primeiro mandato do PT no
governo federal.

Já temos, hoje, Câmara e Senado desmoralizados por obra do mensalão
petista. O Executivo tornou-se um cemitério de ministros poderosos
abatidos por escândalos, substituídos por homens da confiança pessoal
(não política ou administrativa) do presidente, para agüentar as
muitas batalhas da crise política e preparar a reeleição apesar de
tudo. A parte não insalubre desse campo de mortandade de reputações
está ocupada por ministros interinos ou titulares de transição, sem a
responsabilidade de apresentar projetos ou saídas para problemas de
suas áreas. Responda rápido, leitor: quais são os nomes dos ministros
dos Transportes, da Saúde, da Integração Nacional e do
Desenvolvimento Agrário, para ficar em pastas fundamentais num
governo que pretende ter mais quatro anos porque os primeiros quatro
teriam sido “insuficientes”?

Acreditem, Lembo, autodenominado “rebelde da Arena”, é mais
importante para o projeto de poder de Lula do que os ministros que
estão guardando lugar para neo-aliados do PT em 2007, em caso de
vitória do presidente. Ao aplaudi-lo, o exército das “mãos limpas”,
que não gastará seu voto com “ninguém que está aí”, vai se sujando
aos poucos, na política e na consciência.

É inevitável lembrar que Lembo é herança de um arranjo eleitoral
feito para viabilizar o governo tucano de Alckmin. Dada a pressa do
pefelista em se livrar da aliança e se aproximar do Planalto, parece
que as diferenças de pensamento entre ambos triunfaram sobre as
semelhanças. Alvíssaras! Nem tudo está perdido em meio a tanta danação!

Coragem, senhores do voto nulo, ainda que animação nos falte a todos,
inclusive a mim. O quadro eleitoral é mesmo desolador. Mas vamos
adiante, reclamando e andando. Há o tempo de votar no melhor e o de
votar no menos pior. Encarem: neste ano da graça de 2006, a
imorredoura Arena que nos deu Maluf agora nos oferece Lembo e Lula
nas mesmas condições de antanho: votar para quê?

[liliana@primeiraleitura.com.br]
Publicado em 30 de maio de 2006.

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