Só há um culpado involuntário dessa crise neurótica que dominou o mercado financeiro, principalmente dos países emergentes, nos últimos dias. É Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), que, ainda sem a malícia necessária para o cargo, andou falando com uma repórter de TV sobre a possibilidade de mais aumentos da taxa de juros.
Como o mercado já andava tenso por causa da grande liquidez de bilhões de dólares que os investidores fizeram em aplicações em países emergentes, como Brasil (um caso à parte), Rússia, Índia, etc., a frase infeliz de Bernanke foi suficiente para a correria geral. Foi um deus-nos-acuda e conselhos de "sai correndo daí..."
Surgiram profetas de todos os lados: não é agora, mas vai ser daqui a pouco, o furacão já está a caminho, é só esperar, os sinais de crash já estão aí, os eternos déficits americanos vão explodir a economia mundial, e daí por diante.
Assustado com a repercussão da sua imprudência, Bernanke correu para acalmar o mercado, mas, inexperiente, o fez, ainda, primeiro, de uma forma pouco feliz, em depoimento no Congresso, onde suas palavras não foram bem interpretadas. Mas, na terça-feira, afinal, achou o caminho certo: lançou tudo no papel timbrado do Fed e mandou uma carta ao presidente do Comitê Econômico Conjunto do Congresso, Jim Saxton. Afirmou textualmente que, se todos - parlamentares e mercado - tivessem prestado atenção ao último comunicado do Fed, após a reunião do dia 10, teriam visto que nada havia mudado na posição do banco central. O Fed vai acompanhar até a reunião de julho os indicadores econômicos, principalmente a inflação. Ou seja, se necessário, os juros serão elevados, mas, acrescentava ele, não havia ainda sinais disso.
META PARA A INFLAÇÃO...
O mercado logo se acalmou, mas poderá voltar a se agitar com a divulgação feita na sexta-feira pelo Departamento do Comércio. Informa ele que o núcleo do índice de preços pagos pelos consumidores em abril, que exclui alimentos e energia, aumentou ligeiramente, 0,2%. E este é um indicador que o Fed sempre acompanha para suas decisões!
Mas, na carta de Benanke ao Congresso, há um fato novo que deveria impedir o retorno do nervosismo alimentado pela especulação e pelo enorme volume de investimentos financeiros envolvidos. Pela primeira vez, após assumir o Fed, ele tornou pública e oficial a sua predileção por "metas implícitas de inflação". Textualmente, Bernanke afirma que essa meta se inclui num quadro bem flexível. Ou seja, há margens de oscilação. A vantagem principal, afirma ele, é que "isso pode ajudar nas expectativas de inflação e a promover mais estabilidade na utilização dos recursos".
Traduzindo o economês, havendo um número em torno do qual o governo espera para agir, os investidores poderão atuar com mais equilíbrio e sem sobressaltos.
.... EM TORNO DE 2%
Não só é a primeira vez que Bernanke faz essa afirmação, agora solene e por escrito, como dá números. Ele afirma que o aumento dos preços pagos pelos consumidores de 1% ou 2% ao ano da inflação básica, aquela que não inclui alimentos e energia, seria uma ótima meta - com os números de sexta-feira, essa inflação anualizada está em 2,1%.
Ao mesmo tempo, porém, ele reafirma que oficialmente o Fed não adotará agora essa política, mas ficou claro que vai levá-la em consideração em suas futuras decisões.
NERVOSISMO SEM RAZÃO
Portanto, se houver de novo nervosismo excessivo do mercado com o anúncio do Departamento do Comércio é pura especulação. O mesmo departamento anunciou também que a renda dos assalariados aumentou, o desemprego diminuiu e no primeiro trimestre o Produto Interno Bruto cresceu não 4,8% como havia estimado, mas 5,3%.
"Uma boa notícia, pois parece que Bernanke está procurando uma razão para dar uma pausa ao aumento de juros. Os indicadores da semana passada estão abaixo das altas previstas pelo mercado", conclui a maioria dos analistas entrevistados, na tarde de sexta-feira, pela CNN.
É TUDO?
Não. As bolhas estão aí, os valores dos ativos financeiros estão exageradamente elevados e continua havendo muita liquidez, muito dinheiro no mercado, admite Bernanke. Persistem também as tensões geopolíticas, os Irãs e os muçulmanos da vida (ou da morte...) pressionando o preço do petróleo sob o qual estão sentados.
PERGUNTAR NÃO OFENDE...
Mas, afinal, o que o sr. Chirac veio fazer aqui? Repetir tudo o que já disse tantas vezes, que a Europa já fez as concessões comerciais que podia, não cede mais, e que os "bandidos" do protecionismo não são eles, mas os EUA? Ora, isso os correspondentes do Estado, em Paris, Gilles Lapouge e Reali Junior, estão cansados de registrar. Lapouge chegou até a afirmar de forma magistral que "a França é um velho jovem saturado do passado".
Que a União Européia não cede, nós já sabemos, e que os EUA não cedem, também. Só que o sr. Bush parece estar mais ocupado em casa para vir aqui dizer isso na nossa cara...
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