Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 28, 2006

A gregos e troianos Mailson da Nóbrega

OESP
 

O ministro Guido Mantega e sua equipe têm uma missão impossível. De um lado, devem assegurar a quem avalia riscos que nada mudará no que se poderia chamar de "herança essencial" recebida do ex-ministro Palocci, a qual explica os resultados que ora o governo colhe na economia. De outro, não podem decepcionar os grupos aos quais se alinham e que viram na troca de comando na Fazenda o ponto de partida para "mudanças na política econômica". Que desfecho terá esta verdadeira sinuca de bico? Em primeiro lugar é preciso indagar qual o significado que esses grupos dão à política econômica. O alvo preferencial de suas críticas tem sido a política monetária, que é um de seus componentes. Por aí, a mudança consistiria em orientar o Banco Central (BC) a baixar rapidamente a taxa de juros para ativar a economia e desvalorizar o câmbio.

Alternativamente, poder-se-ia mudar a atuação do BC no mercado cambial. O objetivo passaria a ser a depreciação do real. Talvez fossem criados controles para inibir o fluxo de recursos externos, incluindo a quarentena. Seria uma marcha à ré nas melhorias institucionais dos últimos anos.

A meta de inflação poderia ser alterada, por ser considerada excessivamente apertada. Imagina-se que dessa forma a taxa de juros cairia mais rapidamente e a desvalorização cambial chegaria mais cedo e forte.

Essas mudanças agradariam os gregos, que veriam aí o caminho para o maior crescimento do PIB e do emprego. "Coragem", "ousadia" e outras palavras de mesmo teor seriam empregadas para elogiar o governo. O problema é que a euforia tenderia a ser passageira.

As medidas poderiam causar mais instabilidade do que crescimento. As mudanças no ambiente macroeconômico pegariam o mercado de surpresa.

Receios de perdas patrimoniais gerariam fugas de capitais. Os ativos seriam precificados para refletir o novo quadro de incertezas.

De fato, o aumento da meta de inflação geraria apenas mais inflação, pois as expectativas se ajustariam imediatamente. Compras adicionais de dólares tornariam a política fiscal insustentável. A diretoria do BC renunciaria antes de cumprir a ordem para baixar a Selic.

Curiosamente, a desvalorização cambial ocorreria sem necessidade de intervenções e pajelanças. Seria ótimo para os exportadores, pelo menos nos momentos iniciais, mas péssimo para os troianos, os trabalhadores, que teriam perdas reais de salário com a inflação. A taxa de juros teria que subir para conter a alta dos preços. Voltaríamos à estaca zero.

Mudar de forma bem-sucedida a política monetária não é uma questão de vontade política. Ninguém pode ser contra uma queda substancial da Selic, desde que isso resulte de avanços institucionais para melhorar o quadro fiscal.

Pode ser que a nova equipe defenda esse caminho. Seria retomada a idéia do programa fiscal de longo prazo de Palocci, o que demandaria complexas e demoradas reformas para flexibilizar o Orçamento, abrir espaço para a redução da carga tributária e promover a retomada dos investimentos públicos.

Acontece que essas mudanças esbarrariam em fortes obstáculos. A queda voluntarista da Selic exigiria derrogar a autonomia do BC. Lula seria desmentido, pois garantiu que o presidente do banco é subordinado a ele e não ao ministro da Fazenda, lembram-se? Dificilmente a ordem ao BC partiria dele, pois Lula já deu mostras de entender que mágicas na economia geram mais inflação. Os troianos que votam nele não o perdoariam.

A retomada do programa de Palocci enfrentaria oposição interna. Sua tentativa foi tachada de "rudimentar" e morreu ali, recordam-se? O desfecho da sinuca de bico pode ser um anticlímax. Nada aconteceria.

A nova equipe, formada de pessoas sensatas, se daria conta de que uma coisa é falar fora do governo e outra é enfrentar a dura realidade de estar lá e ter que lidar com riscos e restrições institucionais. Tal como o ministro, se dariam conta de que mudaram de lado.

Pode até ser que mencionem publicamente certas propostas e depois recuem diante da reação dos avaliadores de risco. Lula não toleraria o risco de uma crise de confiança e da conseqüente ameaça de perda das chances de reeleger-se. Agiria.

Resumo da ópera: tudo indica que a política econômica não vai mudar. A nova equipe manteria o rumo, provavelmente com mais barulho e piora do ambiente hostil em que opera o BC. Oxalá.

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