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O Estado de S. Paulo |
26/5/2006 |
Desde que, três semanas atrás, manifestei aqui o meu desejo de voltar à vida pública, tenho recebido numerosos e-mails de leitores. A grande maioria aprova a idéia, mas alguns a vêem com uma certa reserva. Os motivos são os mais diversos. Há quem tema que eu deixe de escrever no jornal, há quem afirme que eu deixarei de ser um jornalista isento. Existem até mesmo aqueles que alegam que, na prática política, forçosamente, me corromperei. Para tranqüilizá-los tenho respondido que continuarei escrevendo enquanto gozar da confiança do Estadão - que é, sem dúvida, o jornal de maior credibilidade do Brasil. E para merecer essa confiança tenho de continuar escrevendo com a máxima independência e isenção. Enquanto jornalista, meu único compromisso é com o jornal e seus leitores. Quanto aos que acreditam que a prática política forçosamente corrompe os seus praticantes, entendo que estes merecem uma resposta mais elaborada. Respondo, em especial, ao sr. Evandro, cujo e-mail me induziu a profundas reflexões. A política, meu caro Evandro, dependendo de como é exercida, pode ser tanto a mais nobre das artes como a mais vil das profissões. Não é correto afirmar que todos os que a praticam haverão, necessariamente, de se corromper. Conheci, pela vida afora, homens públicos fantásticos. Da mesma forma como convivi com políticos extremamente abjetos. Há uma nata de tribunos virtuosos e ilibados, como há, também, uma escória de oportunistas e inescrupulosos. Entre uns e outros existe uma maioria de gente, em princípio, bem-intencionada, mas que, no dia-a-dia de um Parlamento, acaba, mesmo sem querer, se dissociando da realidade e adquirindo os vícios e cacoetes que caracterizam e contribuem para a má fama dos políticos convencionais. Será que a política fatalmente amesquinha os homens? Poderia ser diferente? Sim, poderia. Eu me recordo de que, há uns dez anos, o então vice-presidente Marco Maciel convidou alguns parlamentares - eu inclusive - para conhecerem uma delegação de deputados espanhóis e portugueses que estavam em visita ao Brasil. A reunião se deu no Palácio do Jaburu. Fiquei realmente encantado. O nível intelectual dos nossos colegas estrangeiros era extraordinariamente superior ao nosso. Todos falavam fluentemente quatro ou cinco idiomas, eram formados e pós-graduados, com distinção, nas melhores universidades de seus países, conheciam profundamente a teoria política e tinham uma cultura enciclopédica sobre os mais variados temas. Eram autênticos estadistas. Perguntei-lhes se, em seus países, todos os parlamentares eram assim. Responderam-me que sim. Na Espanha e em Portugal, dentre as mais variadas profissões, somente os melhores, em cada área, ousavam disputar cadeiras no Parlamento. Os eleitores eram por demais exigentes e seletivos. Jamais escolheriam, para governar a nação, pessoas por quem não tivessem respeito em suas atividades privadas. Aprofundando a conversa, tomei ciência de que essa seleção positiva já começava nos próprios partidos políticos. Entre os jovens promissores que demonstravam talento e vocação para a política, os partidos escolhiam os melhores dentre os melhores e lhes ministravam um curso intensivo e abrangente, que ia desde o estudo dos clássicos políticos até a prática de como se comportar nos debates parlamentares e nas entrevistas na TV. "Pobre Brasil!", lamentei-me a eles. "Aqui, em todos os campos de atividade, os melhores e mais brilhantes profissionais não só não se encaminham para a política como nutrem verdadeiro horror a ela..." "Vocês, brasileiros, estão terrivelmente equivocados", responderam-me. "Gostando ou não, a política é como o ar que respiramos. Ela se faz presente em toda parte e não se pode viver sem ela. Alguém há de governar a nação. Os aventureiros só prosperam onde os homens de bem insistem em se omitir." Saí daquela reunião impressionado. Espanha e Portugal, não por coincidência, são dois países que viveram décadas sob o tacão de cruéis ditaduras. Os seus povos acabaram aprendendo que a melhor garantia da estabilidade democrática é a escolha criteriosa dos seus representantes. Quando as elites (elites no sentido de mérito) ocupam a arena pública, não sobra espaço para os oportunistas, os demagogos e os falsos salvadores da pátria. Política é importante, sim. Quando a nação é bem governada, todos, de qualquer profissão ou ofício, acabam sendo beneficiados por isso. Caso contrário, o prejuízo também é geral. Por isso, meu caro Evandro, eu jamais me esquivei da política. Se ela tem defeitos, tratemos de consertá-la. Se não pudermos fazê-lo, tratemos de nos comportar, ao menos, de modo a servir de exemplo. Mas o mais importante - não nos devemos esquecer - é que os eleitores se interessem e, por cartas ou e-mails, cobrem insistentemente coerência dos seus representantes. Mesmo que eles não respondam, com certeza os lêem. Políticos vivem de votos. E a possibilidade de vir a perdê-los é o melhor instrumento de coerção que o eleitorado possui. Eu sou um político, sim, Evandro; e não tenho por que me envergonhar disso. Eu me lembro de que Jânio Quadros, em suas palestras, sempre contava a história da execução de Lavoisier, na Revolução Francesa. O pai da química teria perguntado ao verdugo o porquê de estar sendo guilhotinado, já que era um cientista e sempre fizera questão de se manter distante da política. "Você nunca se preocupou com a política?", surpreendeu-se Sanson, o carrasco. "Ah! Então é por isso mesmo!" E a lâmina desceu... |
Entrevista:O Estado inteligente
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