Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, maio 31, 2006

Cultura cívica de papelão Luiz Weis

OESP

 Pode não parecer, mas o fato político mais importante dos últimos tempos no Brasil - expresso em dezenas de cartas aos jornais, comentários na internet e numa infinidade de conversas - foi a unânime reação da opinião pública à prisão do advogado do PCC Sérgio Wesley da Cunha na CPI do Tráfico de Armas, por desacato ao Congresso.

Provocado pelo belicoso deputado Arnaldo Faria de Sá, que lhe disse que ele "aprendeu bem com a malandragem", o advogado deixou de lado a prudência, retrucando com uma frase a que decerto não resistiu e nem podia imaginar que o incluiria na crônica destes tempos bandidos.

Ele foi preso por ter respondido "a gente aprende rápido aqui" - o que o povo inteiro gostaria de dizer "àqueles senhores de Brasília", como os qualificou um leitor sarcástico. Desde os célebres 300 picaretas a que Lula reduziu o Legislativo federal - dez anos antes de seu partido se aliar a tipos iguais ou piores - não se tem memória de um ataque tão certeiro e tão aplaudido "àqueles senhores".

O endosso geral à acusação de que malandragem se aprende rápido na Casa das Leis era previsível. Pelo Datafolha, entre dezembro de 2003 e agora mais que dobrou o contingente que considera o Congresso ruim ou péssimo (de 22% para 47%), enquanto caiu à metade (de 24% para 12%) a minoria dos que o julgam bom ou ótimo.

Em sites e blogs, a campanha pelo voto nulo para deputado se propaga como um vírus. Corre e é aceita por muitos como verdade a lenda de que, se os votos nulos superarem 50% mais 1, nenhum dos candidatos à reeleição poderá participar do pleito seguinte.

As causas da rejeição maciça aos políticos são notórias. Não é preciso falar do divórcio entre o que interessa "àqueles senhores" e aos 180 milhões de brasileiros do lado de cá do balcão - ou assim lhes parece. Mas na miséria da política brasileira, no sentido em que Marx falava da "miséria da filosofia", alguns comportamentos são mais miseráveis do que outros.

O que terminou de poluir a imagem do Congresso não foi nem a revelação de que uma vintena de deputados fazia parte ou se beneficiava da "sofisticada organização criminosa" citada pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. Foi a absolvição de 9 dos 12 mensalônicos que o Conselho de Ética pediu que fossem cassados. O deboche ofendeu mais que o delito.

Antes da pizza, porém, o desgosto com a politicalha já havia dado um salto com a eleição de Severino Cavalcanti na Câmara e, depois, com a denúncia de que ele extorquia um concessionário de restaurantes, o que o obrigou a renunciar para não ser cassado.

A vitória de Severino - efeito e agravante de uma conjuntura política peculiar - pode ou não dar razão aos que pensam que esta é a mais aviltada legislatura desde o fim da ditadura. De todo modo, o que vale é a convicção difusa de que a qualidade moral do político brasileiro entrou em queda livre - se não irreversível.

Sem saber que o pai de todos os americanistas, o francês Alexis de Tocqueville, já dizia o mesmo dos políticos dos Estados Unidos de há 160 anos, há quem tenha uma explicação sumária para o decaimento ético dos seus semelhantes no Brasil de hoje: vai para a política quem não dá para outra coisa.

Nas palavras de um leitor do blog Verbo Solto, deste jornalista: "Em 1970, quando estava no segundo grau, perguntávamo-nos o que cada um queria ser na vida. O pior, mas o pior mesmo aluno da classe disse: 'Vou ser político'."

É verdade que a composição social da Câmara vem mudando. Em parte graças ao aumento continuado da bancada petista, o Terceiro Estado (o povo) ganhou novas cadeiras, em detrimento da nobreza (o capital) e do clero (a cultura). Nada indica, no entanto, que por causa disso a corrupção tenha crescido, como se a ética cívica da velha guarda fosse por definição uma fortaleza.

A rigor, tampouco se sabe se a corrupção cresceu, ou se o que cresceu foi a percepção de suas manifestações, graças à crescente aptidão das instituições que lhe dão combate, a começar da Polícia Federal e de seu rival, o Ministério Público, e à maior competência da mídia para flagrar corruptos.

É claro que a corrupção entre os políticos varia também de acordo com o caráter, as motivações, as ligações e os compromissos pessoais - em suma, o perfil - da maioria daqueles que, tendo entrado para o ofício, nele se deram bem.

Mas cada qual fará o que fizer por ser quem é - e por suas circunstâncias, já dizia Ortega y Gasset. Inerente à política, a corrupção varia de país para país e com o tempo, conforme um vasto arsenal de circunstâncias.

Uma delas, decisiva, é o desempenho do sistema político - a articulação entre o governo e o Congresso, entre os partidos e dentro deles, conduzida por lideranças legitimadas. Quando funciona bem, tende a operar como freio e contrapeso aos sanguessugas, limitando a níveis "normais", que não arrastam à lama a instituição parlamentar inteira, a prática de corrupção.

Não bastasse o convite à barganha próprio do presidencialismo de coalizão, as coisas desandaram de vez no atual governo quando o Planalto perdeu o controle sobre o jogo político - apesar ou por causa do mensalão - e as bancadas passaram a viver em clima de vaca não conhecer bezerro. Deu em Severino e na Pizzaria Plenário; na paralisia das votações e no corporativismo sem arreios.

Outra circunstância crucial é a resposta da sociedade às bandalheiras dos seus representantes. Os deputados não ousam mostrar os seus distintivos quando circulam por aí, o povo xinga-os por suas lambanças - e isso é tudo. Como é que fica? Não fica.

Nesta nossa cultura cívica de papelão, "os bandidos estão triunfando na vida pública", constata o deputado Fernando Gabeira na Folha de S.Paulo. Eles "não só tomaram conta de tudo, mas também tomam café ao seu lado, riem para você, falam sobre o tempo e reclamam da dureza da vida política".

Como perguntava o cineasta Sérgio Bianchi no seu filme desesperançado: Quanto vale ou é por quilo?

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