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Desde quando eclodiu a crise de segurança pública em São Paulo, entidades que se dizem representantes da sociedade civil — na verdade, gente que decidiu privatizá-la; são os grileiros da cidadania — e auto-intituladas defensoras dos direitos humanos se esforçam bravamente para fazer do caso um novo "111 do Carandiru". O mote que une a todos é o seguinte: "inocentes foram mortos". Tomara que não tenham sido. Se foram, que se investigue e se punam os responsáveis. Mas me parece que a condenação já está decidida. E esse também é um problema grave. A gritaria contrasta com o silêncio cúmplice diante dos corpos de dezenas de policiais assassinados. A mobilização para que se esclareçam as circunstâncias dos eventuais inocentes mortos é justa e humana; plantada no jardim daquele silêncio cínico, ela se faz indecente. O clamor em defesa dos direitos humanos é uma prova de civilização; confrontado com os olhos secos de quem não derrubou, pelos agentes da lei, uma única lágrima cívica, é uma prova de selvageria ideológica e de canalhice. Quando menos, é preciso definir o que é um inocente nessa história. Basta não ter ficha na polícia? Já não sabemos todos que o PCC mobiliza os seus soldados entre os "não-fichados" justamente para que os problemas com a lei sejam menores? Qualquer um que tenha sido alvejado pelas costas merece logo tal denominação? Num confronto com a polícia, um bandido tem de seguir o manual de segurança e sempre correr atirando, de frente para seus adversários? É claro que não acho que a polícia deva sair por aí, atirando a esmo, matando quem encontra pela frente, definindo suspeitos pelas aparências, disparando primeiro para perguntar depois. Em suma: é óbvio que as forças do Estado não devem seguir os métodos dos bandidos, que elas próprias combatem. Mas me parece que um pouco mais de serenidade e de vergonha na cara não nos faria mal. Nesse episódio, convido os militantes a prantear todos os inocentes mortos — policiais incluídos. Tudo indica, ademais, que tanto bandidos não ligados ao PCC como grupos de extermínio aproveitaram para agir nos dias de terror. Eu sei bem que, no país em que Delúbio Soares diz que o dinheiro do valerioduto eram recursos contabilizados para pagar contas não contabilizadas, tudo é possível. Verdade e mentira já não se distinguem. Nada mais faz diferença. No país em que um ministro da Justiça mantém um "encontro institucional" com um empresário que, na prática, acusa o governo de, quando menos, tentativa de extorsão nada mais deve escandalizar; tudo passa a ser permitido. Ainda assim, fico escandalizado. O comando do PCC deve estar felicíssimo, e alguns de seus líderes devem estar com os olhos grudados nos aparelhos de TV — aqueles que o secretário Furukawa ainda não sabe como foram parar nos presídios —, acompanhando a sua vitória, de goleada, sobre as instituições. O "partido" conseguiu parar São Paulo, aterrorizou a polícia, matou mais de meia centena de homens ligados à segurança, provocou rebelião em massa nos presídios, e as ONGs, proxenetas da sociedade civil, e certo jornalismo já escolheram um lado: contra a polícia e contra os que ficaram encarregados de manter a ordem. Alguns leitores, como já observei, têm reclamado do meu pessimismo. O que me deixa perplexo é a rapidez com que algumas vozes que se querem "progressistas" se apressam em fazer o jogo dos bandidos, aliando-se, objetivamente, a eles sob o pretexto de não coonestar a violência policial. Procurem nos jornais quantos são os articulistas que têm a coragem de pôr uma assinatura num texto em defesa da lei, da ordem e da segurança pública. Sim, para escândalo da razão, eles se vêem na obrigação de ser isentos: entre o PCC e a polícia de São Paulo, escolhem a neutralidade, como se essa fosse uma opção moral e um dever de ofício. Que se cobrem as investigações, que elas sejam feitas, que eventuais excessos sejam punidos. São esses os procedimentos adotados até mesmo em tribunais militares em períodos de guerra. Por que seria diferente no caso? E a morte de eventuais inocentes numa operação como essa, com a comoção que tomou o Estado, não definiria, por si mesma, por mais lamentável que seja (e é!), que a polícia de São Paulo é composta de assassinos. Que os "militantes" mandem ao menos rezar uma missa em homenagem aos polícias que foram alvejados nas ruas sem nenhuma chance de defesa. Que tentem, ao menos, fingir que acham Marcola perigoso. Se essa gente passar a tratar a polícia e os governantes não-petistas como a mesma delicadeza com que trata o chefe da bandidagem, já está de bom tamanho. Os comandantes do PCC devem estar muito orgulhosos de sua obra. Mataram quem bem entenderam, decretaram rebeliões, puseram-lhes fim depois de algumas exigências, e, nem bem esfriaram os corpos de suas vítimas, quem está na berlinda e já foi mandada para o banco dos réus é a polícia, é o governo do Estado. Lula continua a se comportar como ombudsman do país que desgoverna. Na prática, ele e Tarso Genro contribuíram para tanto. O segundo, sem reservas, acusou Geraldo Alckmin de ser responsável pela crise; já o Apedeuta, demonstrando seu imenso e conhecido amor pelas letras, disse preferir construir escola a presídio. Sem nunca ter sido íntimo de uma, o outro seria o lugar apropriado para guardar ao menos 40 de seus amigos, segundo acusa o procurador-geral da República. Sobre mortos e feridos, eis que sobressai, sim, um vitorioso: Marcola. Até certa aura de fascínio romântico e apuro intelectual se criou em torno de sua figura. Imaginem: ele já leu até Dante! O que a maioria dos professores de humanidades da USP, especialmente os freqüentadores de abaixo-assinados em defesa da paz e dos direitos humanos, nunca fez. Piada óbvia E Noel avança: "Mas você é mesmo/ artigo que não se imita/ quando a fábrica apita/ faz reclame de você". Não é que já tivemos futuro um dia? [ reinaldo@primeiraleitura.com.br] |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, maio 25, 2006
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