Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, maio 26, 2006

Agosto Por Liliana Pinheiro

primeira leitura




Um advogado acusado de atividade ilegal em favor do crime organizado qualificou a Câmara de escola de malandragem durante depoimento formal na Casa, nesta quinta-feira, e acabou preso. Não foi o único a romper limites neste maio com jeito de agosto em que já não se contam nos dedos os episódios que humilharam a política e as instituições.

A descoberta de sanguessugas no Congresso inaugurou o mês. Os ataques do PCC em São Paulo tornaram-no um dos piores da história. As evidências de ação de grupos de extermínio só pioram o quadro. Mas teve muito mais.

Abafa
Um episódio até irrelevante desse período, mas que fez parte da construção do espírito desse agosto antecipado: Sílvio Pereira fazendo-se de maluco na CPI dos Bingos, depois de ter denunciado em entrevista ao jornal O Globo o empresário Marcos Valério, que teria a intenção de amealhar R$ 1 bilhão em negócios facilitados pelo governo. Antes da alienação televisionada, ele se encontrou com um emissário do Planalto. Outro tempero importante do mês foi o depoimento de Delúbio Soares, dias depois, no qual negou a existência de caixa dois no PT,  já que teria usado "dinheiro contabilizado para despesas não contabilizadas".

Adiante. Daniel Dantas entregou à revista Veja, segundo a publicação, um dossiê contra o governo Lula. Documento em poder da Justiça americana revelou que o mesmo banqueiro teria sido achacado por Delúbio, que buscava US$ 50 milhões para os cofres do partido em troca de simpatia do governo. Dias depois, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, reuniu-se com Dantas e, como por encanto, o imbróglio foi relegado ao plano de balela de ano eleitoral.

Cachorros loucos
E maio seguiu, antecipando o frio de agosto como se fosse um presságio. A Câmara decidiu não investigar os sanguessugas, tornando-os tão aptos à reeleição como os mensaleiros. Em algum momento deste mês, José Genoino, presidente do PT que brilha na "quadrilha" dos 40, denunciada pelo procurador-geral da República, anunciou sua volta à política e "à luta".

Voltemos ao início do mês. Hugo Chávez e Evo Morales humilharam o Brasil. A Petrobras foi expropriada na Bolívia no que a imprensa, sempre tão politicamente correta, chama de "nacionalização" das reservas de gás e petróleo, e o presidente Lula, de "soberania". Assim é: soberania não contabilizada é igual a nacionalização, que traduzo por expropriação porque decerto sofro de alguma síndrome de antiagosto. Falha minha: tenho medo de cachorro louco. Dos que atacam, como venezuelanos, bolivianos e advogados do crime organizado. E também dos que babam mansamente seus vírus em CPIs, como se alienados fossem, nas feridas abertas do Brasil. 

Derivativos
O mês não acabou. Tratemos de tentar expiá-lo enquanto é tempo, apostando num certo processo terapêutico. Ou nos conscientizamos do que vivemos ou erraremos por anos neste mês que já parecia interminável no primeiro dia.

Os mercados acordaram, certa manhã desta semana, dispostos a vender Brasil e migrar para a segurança das economias centrais. Não foi nenhum estouro de boiada, mas o evento lembrou a todo mundo que uma manada que detém em riquezas virtuais o equivalente a três vezes a riqueza real do mundo — sim, senhores, o triplo do PIB mundial — pode, do dia para a noite, enlouquecer. Nessas horas, é possível entender os fanáticos da religião e da política que carregam estandartes anunciando o fim do mundo próximo ou o do capitalismo. Tudo aquilo que a razão não explica, como o equilíbrio do desequilíbrio do fluxo financeiro mundial, tende a nos colocar mais próximos do cenário de confrontação final de valores. No caso, do armagedom das ilusões emergentes deste Brasil cujo único fundamento realmente sólido é existir, apesar de tudo que vai acima nesse texto. E do que vai abaixo.

Abaixo
Vieram as pesquisas eleitorais mostrando que o presidente Lula, hoje, venceria no primeiro turno. Parte da classe média do Sudeste, que lhe tinha horror no auge da crise, agora, resolveu aderir ao bis. Não deixa de ser uma vitória do PCC, que revelou, acima de tudo, uma espetacular ausência de lideranças capazes de traduzir a realidade, explicá-la, interferir nela. Mais do que tudo, de estar ao lado da sociedade.

Com as pesquisas desfavoráveis à oposição, PSDB e PFL começaram a brigar, mergulhando a única candidatura capaz de derrotar Lula, a de Geraldo Alckmin, em crise difícil de ser superada.

Calendário
Tenho críticas nada suaves ao tucano. Não ouso fazê-las nesse agosto em que sua derrota é também a do Brasil. Vou esperar que um alvissareiro maio comece no oitavo mês do ano para, em melhores condições de temperatura,  cobrar dele tudo o que me deve, a começar de um discurso melhorzinho. Por enquanto, faz muito frio.

[liliana@primeiraleitura.com.br]
Publicado em 25 de maio de 2006.


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