O Globo |
30/5/2006 |
O leitor de um jornal de cidade grande provavelmente acredita que existe liberdade de imprensa no país inteiro. Não é bem assim. Pode ser bastante verdadeiro, num índice próximo de cem por cento, para aquilo que nós mesmos batizamos de "a grande imprensa". Mas não nos municípios médios e pequenos, Brasil afora. Neles, a lei pode ser manipulada a favor de quem manda. Não é difícil: afinal, a Lei de Imprensa data do tempo do regime militar, e é legislação feita para não incomodar quem manda. O caso de Ester Gameiro, diretora do "Correio do Estado" há 52 anos, publicado em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, é exemplar, no pior sentido. Ela nos conta que insiste em publicar reportagens denunciando um ex-prefeito, hoje pré-candidato do PMDB a governador. Suas informações, diz, têm como fonte investigações do Ministério Público Federal, da Controladoria-Geral da União e notícias de outros jornais. Mas, segundo Ester, o jornal está perdendo a guerra, esmagado por um aluvião de "direitos de resposta", Para se ter uma idéia, a contra-ofensiva do ex-prefeito já incluiu pedir à Justiça — e conseguir — direito de resposta até para o registro do adiamento do julgamento de um processo. A publicação maciça, obrigada por decisão judicial, de respostas extensas e com vaga ou inexistente relação com as notícias publicadas, vai aos poucos estrangulando o jornal. As ordens dos tribunais incluem a ameaça de força policial e prisão caso supostas "respostas" — nas quais mais se ofende o jornal do que se estabelece uma defesa — não sejam publicadas imediatamente. As publicações obrigatórias expulsam das páginas notícias de interesse público. E o público se desinteressa. Todas as informações aqui relacionadas foram fornecidas por Ester. Ela relaciona 17 processos contra o jornal. Numa das sentenças, o juiz determina que "opiniões desfavoráveis" do jornal "não extrapolem os limites da crítica literária, artística ou científica". Seria engraçado se não fosse uma agressão, tosca mas contundente, à liberdade de imprensa. As denúncias do jornal não representam caso isolado. A Associação Nacional de Jornais tem revelado freqüentemente episódios de esmagamento da liberdade de informação sob uma massa de processos judiciários. Existe liberdade de imprensa para organizações jornalísticas financeiramente saudáveis e estabelecidas em centros de grande população e opinião pública atenta. Mas, no Brasil remoto, por assim dizer, a independência da mídia pode ter preço alto, muitas vezes de pagamento impossível. Não pode ter vida longa um jornal pequeno, se é a todo momento forçado a gastar fortunas para se defender de processos — e ainda por cima encher seu espaço com mais "direitos de resposta" do que notícias de interesse da comunidade. Quando um jornal combativo morre, é quase sempre substituído por outro, obediente e medroso. Como os autores da Lei de Imprensa instituída pelo regime militar desejavam que fossem todos os jornais do país. |
Entrevista:O Estado inteligente
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