Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, maio 26, 2006

Míriam Leitão - Quadro colombiano



Panorama Econômico
O Globo
26/5/2006

A eleição que a Colômbia verá este domingo tem um resultado praticamente certo, com a reeleição do presidente Alvaro Uribe, e um cenário incerto, pelo medo de que as Farc cometam algum atentado antes do pleito. Uribe não participou de nenhum debate na TV, não deu nenhuma entrevista e seus comícios foram vazios e com pouco entusiasmo. Só apareceu na campanha no fim e, mesmo assim, é favoritíssimo. O motivo: sua política de combate à violência.

Na semana passada, enquanto São Paulo — e o Brasil — vivia seu mais impressionante dia de ataques violentos; na Colômbia, famosa por problemas semelhantes, os taxistas se escandalizavam com o que acontecia aqui: "Que estragos a droga faz! Veja só o que acontece no Brasil com os traficantes; como é isso de viver no Brasil?" Quem ouvia o comentário era a Débora, repórter da coluna, que esteve no país.

Esta visão que hoje eles têm do Brasil tem muito a ver com seu passado recente e com o pano de fundo destas eleições. Nas últimas três décadas, o poder do narcotráfico lá cresceu de maneira alarmante. Os cartéis de Cáli e Medellín matavam, seqüestravam e decidiam sobre política; o chefe do tráfico, Pablo Escobar, virou personagem mundialmente famoso. Mas a Colômbia está mudando. Os homicídios, que chegaram a 28.832 em 2002, vêm caindo e, em 2005, foram 18.111; 44 por 100 mil habitantes, número semelhante ao de São Paulo. Este ano, de janeiro a abril, houve queda de 7,8%. Os seqüestros, crime bastante comum no país, saíram de 2.500 em 1999 para 376 em 2005. Este ano, até agora, foram 81; sete deles com suspeitas de ligação com a campanha política. Dados do escritório da ONU de Combate a Drogas e Crime mostram também que, de 2000 a 2005, a área cultivada com folha de coca reduziu 51% com ações de destruição de plantio e com incentivo a culturas alternativas.

O caldeirão da violência colombiana comporta vários ingredientes, cada um com sua atividade. Num dos cenários, está a guerra entre as Farc e as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC). As Farc surgiram como uma guerrilha para lutar por mudanças no sistema de governo. Para combatê-las, foram criadas as AUC, com atividades paramilitares. As duas descobriram uma rica fonte de financiamento: o narcotráfico. Assim, ainda que possam ter alguns objetivos políticos, participam intensamente do tráfico de drogas, sendo impossível dissociá-las da atividade criminosa. Plantam coca e comercializam pasta.

Uma outra esfera é a do varejo da droga. Grupos de traficantes disputam o poder nas comunas de Medellín, que são semelhantes às nossas favelas. Os crimes são também bastante parecidos com os brasileiros; e os pobres suas maiores vítimas.

Um quadro de fundo desses dá a sensação de que é inviável governar um país como a Colômbia, porém Alvaro Uribe está sendo bem-sucedido na tarefa. Antes de chegar à Presidência, foi governador do estado de Antióquia e prefeito de Medellín. Em ambos, conseguiu negociar com as AUC, o que o ajudou na empreitada de combate à violência. Neste primeiro governo, fez nacionalmente o mesmo acordo, com a desmobilização de 28 mil homens e 16 mil armas. Para o combate ao narcotráfico, também contou com uma gorda ajuda do governo americano, que enviou recursos através do Plano Colômbia. Num provável segundo mandato, espera-se que Uribe se aproxime mais das Farc para tentar, com isso, atuar em outra ponta do conflito.

De um modo geral, a sensação é de que o país fez um pacto para combater a violência pagando o preço que fosse. Nas ruas, a presença da polícia fortemente armada é intensa e quase agressiva. Uma semana antes das eleições, no último dia da campanha, elas já estavam tomadas por grande número de policiais e também pelo Exército. Parece mesmo que se trata de um Estado militar.

Mesmo assim, poucos dizem se incomodar ou contestam os atos do presidente quanto ao combate ao crime. Há críticas, sim, quanto a sua política, mas em outras esferas. Elas dizem respeito, principalmente, ao tratado de livre comércio que está sendo negociado com os Estados Unidos e a uma reforma trabalhista feita em 2003, que reduziu direitos mas não promoveu o aumento esperado do número de empregos. A crítica a esses dois pontos tem levado votos para o segundo e terceiro colocados na corrida presidencial, Carlos Gaviria e Horacio Serpa. Nada que pareça ameaçar a vitória de Uribe, mas que aponta temas a serem discutidos num próximo mandato.

Um outro ponto fraco do presidente foram fortes denúncias de corrupção em seu governo. Entretanto, numa pesquisa publicada pelo jornal "El Tiempo", 44,7% das pessoas afirmaram que a visão que tinham do presidente não mudou com esses escândalos, apenas 28,5% disseram ter piorado e 82% dos entrevistados afirmaram que não mudariam sua decisão de voto devido às revelações. Numa outra abordagem, esta mesma pesquisa mostra que 47,7% dos colombianos acreditam que os paramilitares podem ter alguma influência nas próximas eleições.

A violência tomou de tal forma a pauta da política colombiana que são poucos os mais atentos aos caminhos da economia ou das políticas sociais. O efeito é tão forte que lá, indo contra a atual corrente de esquerda (seja ela qual for) da América Latina, todas as pesquisas afirmam, será reeleito um presidente de direita.

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