Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 28, 2006

O pára-quedista e o alpinista Gaudêncio Torquato

oesp

Quinto Túlio Cícero, em carta ao irmão, Marco Túlio Cícero, candidato
ao Consulado no ano 64 antes de Cristo, aconselhava-o a pensar, todos
os dias, nas seguintes perguntas: "Que cidade é essa? Que cargo você
pleiteia? Quem é você?" E sugeria a resposta: "Sou um homem novo,
quero ser cônsul, aqui é Roma." O homem novo expressava o perfil de
resistência aos preconceitos dos velhos políticos; o cônsul era o
cargo público mais elevado, algo como o presidente da República; e
Roma designava tanto a capital quanto um país de vasta extensão que
dominava o mundo mediterrâneo. Aplicada com rigor, a lição daquele
assessor, a quem se atribui o primeiro manual de marketing político da
História, daria nova tintura ao cenário eleitoral brasileiro, no
momento em que os atores começam a movimentar-se no palco.

O Brasil pega fogo e poucos se dão conta. A criminalidade estende os
tentáculos, enquanto governantes, depois da hecatombe que resultou num
saldo de cerca de 150 mortos, tiram do baú o repertório de acusações
recíprocas. É o governo pefelista de São Paulo que faz acordo com o
PCC e recusa a ajuda do governo federal para combater a criminalidade,
na visão petista. É o governo do PT que organizou a maior quadrilha de
ladrões dos cofres públicos da História republicana, de acordo com
tucanos, ao interpretarem a denúncia do procurador-geral da República.
Se a oposição não gosta de pobre, só de ar-condicionado, como ataca o
candidato Lula em campanha no Tocantins, o mesmo governo, por ele
comandado, é responsável pela maior crise da agricultura brasileira
nos últimos 20 anos, como revida o candidato Alckmin no Rio Grande do
Sul. É o secretário de Habitação de Mauá, o ex-petista Altivo Ovando,
dizendo com todas as letras que, "utilizando termos chulos", Lula
cobrou do então prefeito Oswaldo Dias, em 1998, maior arrecadação de
propina em favor do PT. Fica o dito pelo não dito.

Sob este tiroteio, não há motivos para acreditar que as questões
sugeridas ao célebre tribuno Cícero balizem a campanha eleitoral.
Assistiremos, mais uma vez, a uma querela entre perfis e estilos, não
a um confronto de idéias. É bastante previsível a polarização entre o
candidato petista e o candidato tucano, o primeiro ancorado na
identificação com o povo pobre, o segundo transitando no meio social.
Lula só amargará derrota se as margens sociais forem convencidas de
que esteve à frente de uma rede criminosa. Se a percepção for de que
esteve apenas ao lado (e não sabia de nada), continuará a ter o voto
dos mais pobres e beneficiados com o assistencialismo do
Bolsa-Família. A convicção de que a ladroagem é geral, mas "Lula é um
dos nossos" - eis o signo que mexe com a cabeça das massas. Funciona
como habeas-corpus para excluir o ex-metalúrgico da teia de corrupção.
Poderá ser vitorioso, até no primeiro turno, se a taxa de infelicidade
nacional cair verticalmente com vitória brasileira (catártica) na Copa
do Mundo. O retrato de Lula com o caneco enfeitará paredes de milhões
de casas pobres.

Geraldo Alckmin tem chances? Tem, sim, caso se comprovem algumas
hipóteses: a indignação do meio social chegar às margens, arrebatando
ânimos; os correligionários José Serra e Aécio Neves vestirem a camisa
geraldista; o voto racional do Sudeste lhe dar expressiva maioria; o
voto emocional do Nordeste ser, na última hora, induzido por caciques
e parcela escapar da confraria lulista; o casamento entre pefelistas e
tucanos gerar frutos sadios; os desajustes entre apoiadores serem
rapidamente equacionados; a campanha ser bem organizada e a
comunicação, de tão eficiente, fazer a diferença.

Comecemos com o aparato esdrúxulo. ACM e Paulo Souto, do PFL,
montarão, na Bahia, o palanque de Alckmin, do PSDB. Mas Jutahy
Magalhães, que chefia o PSDB no Estado, não subirá nele. Garotinho e
Sérgio Cabral, do PMDB, deverão abrir, no Rio de Janeiro, espaço para
o tucano Alckmin. Mas o candidato tucano ao governo, Eduardo Paes, não
entrará nele. E César Maia, do PFL, que fez acordo nacional com o
PSDB, ficará longe dos espaços de Garotinho e de Paes. No Rio, Geraldo
poderá caminhar na escuridão.

Analisemos, agora, os colégios eleitorais. No Triângulo das Bermudas -
formado por São Paulo (27,3 milhões de votos), Minas Gerais (13,3
milhões) e Rio de Janeiro (10,6 milhões) -, que abriga 42% do
eleitorado nacional, Alckmin tem o maior palanque. As principais
lideranças nos três Estados - José Serra (SP), Aécio Neves (MG),
Anthony Garotinho, Sérgio Cabral, Eduardo Paes e César Maia (RJ) -
estão penduradas no bico tucano. Mas o truco é o jogo do momento.
Suspeitas recaem sobre Serra e Aécio, potenciais candidatos em 2010 à
Presidência da República. Há quem garanta que não teriam interesse na
vitória de seu candidato, o que desarrumaria a projeção de uma maioria
geraldista em torno de 20% sobre o eleitorado de 51,2 milhões dos três
Estados. Conquistando no Sudeste 10 milhões de votos a mais que Lula,
o ex-governador paulista poderá suportar uma maioria petista no
Nordeste, até por volta de 10 milhões de votos, algo como 30% sobre 34
milhões de eleitores. Não será fácil. Para tanto a força pefelista no
quarto maior colégio eleitoral do País, a Bahia, com cerca de 9
milhões de votos, e boa performance em Pernambuco, terra do vice José
Jorge, poderiam diminuir a vantagem de Lula na região.

O voto nordestino é volátil. O poder dos caciques influencia a
decisão. A roda desse poder acompanhará tendências de crescimento e
queda dos candidatos. Na primeira semana de setembro, a bússola
eleitoral estará apontando o Norte. Já no Sul, com 15% dos votos, as
duas bandas se equilibrarão, com o possível apoio de Rigotto (RS) a
Alckmin, o voto de Requião (PR) em Lula e o voto ainda não definido de
Luiz Henrique (SC).

Imagens possíveis da escalada na montanha: Lula como pára-quedista e
Alckmin como alpinista, um muito rápido, o outro muito lento. Nenhum
estará imune ao perigo no momento da chegada.

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