Aversão à exportação |
editorial |
O Estado de S. Paulo |
1/2/2006 |
A exportação ainda não é um crime e isso dificulta imensamente o trabalho dos burocratas e políticos que fazem o possível para atrapalhar a vida do exportador. Ainda não se pode mandar prender um sujeito por tentar embarcar um contêiner de autopeças ou de calcinhas para clientes no exterior. Como o assunto ainda não está catalogado no Código Penal, empresários brasileiros conseguiram no ano passado faturar US$ 118,3 bilhões com exportações e nenhum foi preso. Mas não se pode acusar o pessoal do setor público de negligência. Tanto os governos estaduais quanto o federal têm trabalhado com empenho e vêm conseguindo barrar bilhões de dólares de transações e até, nos casos de maior sucesso, provocar o fechamento de fábricas. De vez em quando, autoridades com mais espírito esportivo fazem pequenas concessões, para tornar o combate mais emocionante. A Receita Federal acaba de elevar de US$ 10 mil para US$ 20 mil o limite de remessas com Declaração Simplificada de Exportação (DSE). Com isso, mais algumas pequenas e microempresas podem entrar no jogo, para ser derrubadas logo adiante por algum lance burocrático mais esperto. Uma empresária entrevistada pelo Estado festejou: "Estou indo para minha primeira grande feira internacional e espero fechar bons negócios. Um limite maior facilitará o envio de mercadorias." Em países governados com outra mentalidade, a cena seria muito improvável. A animação dessa empresária dá a impressão de que está recebendo um favor dos poderosos burocratas. Noutros países, é objetivo da política fazer que muitos pequenos e microempresários possam produzir e vender mais. Trabalha-se para reduzir a burocracia e para criar estímulos a quem se dispõe a assumir riscos e a criar negócios e oportunidades de trabalho. O chefe da Divisão de Facilitação Comercial da Receita Federal, Marco Siqueira, reconhece esse ponto. Na Itália, lembrou, 50% das exportações são feitas por pequenas empresas, enquanto essa participação, no Brasil, não passa de 2,4%. Mas isso é apenas o reconhecimento de um fato. O importante é saber se o poder público deseja abrir espaço para todos os exportadores, grandes e pequenos, ou se o objetivo é outro. O que se vê no dia-a-dia mostra que não deseja, e que a existência de um Departamento de Facilitação Comercial, na Receita, é mais uma esquisitice nacional. O que os fatos ensinam é que o objetivo é cobrar impostos e forçar o empresário a enfrentar um emaranhado amazônico de papéis e de regras. Cada facilidade concedida é apenas um alívio que disfarça o sentido real do jogo. Se o governo, em todos os níveis, não fosse de fato inimigo das exportações, a mercadoria brasileira não demoraria, em média, 39 dias para ir da fonte produtora ao porto. No Chile a demora é de 23 dias. Na China, de 20. Na Coréia, de 12. Nos EUA, de 9. Nem todo o atraso se deve a deficiências de infra-estrutura. Nas economias em desenvolvimento, infra-estrutura explica apenas um quarto dos atrasos. O resto é burocracia, segundo o Banco Mundial. Na Dinamarca, o exportador preenche três formulários e coleta a assinatura de duas autoridades. No Brasil, são sete documentos e oito assinaturas. A aversão à exportação manifesta-se também no sistema tributário. Impostos oneram os investimentos necessários aos ganhos de competitividade. O sistema de créditos do ICMS, o principal tributo estadual, é complicado e ineficiente. Indústrias que processam a soja originária de outros Estados não conseguem receber os créditos fiscais a que têm direito e perdem poder de competição. Uma das maiores empresas do setor, a Bunge, fechou oito fábricas no Brasil, em anos recentes, e comprou duas na China, para processar soja brasileira. A Argentina superou o Brasil na exportação de produtos de soja com valor agregado. Não importa. Os governadores querem saber de arrecadar, sem assumir o risco de mudanças, mesmo que isso debilite e possa matar as fontes de riqueza. Por isso se opõem a uma efetiva reforma tributária, unindo-se ao governo federal no combate à exportação. Um dia hão de vencer. |
Entrevista:O Estado inteligente
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