Certos avanços civilizatórios são também boa estratégia comercial. O crescimento do Brasil no mercado internacional vai incomodar cada vez mais. A resposta a isso é o país enfrentar espontaneamente certos pontos vulneráveis. Combater o trabalho infantil, o trabalho escravo, o desmatamento são políticas boas por seus próprios méritos, mas têm também a vantagem de evitar ataques de concorrentes.
Nos próximos dias, o governo vai comemorar o avanço no combate ao trabalho infantil. Há dados que ainda chocam, mas a OIT e o Instituto Ethos acham que o problema está no caminho da cura.
De 95 até hoje, o número de crianças de 5 a 15 anos trabalhando caiu à metade. Eram 5,1 milhões e são agora 2,7 milhões. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) começou em 95, depois de uma mobilização empresarial e de esforços da OIT. Em 96, 3,7 mil crianças foram atendidas por bolsa para voltar a estudar em vez de trabalhar. Em 2002, foram 809 mil. No fim de 2005, serão um milhão de crianças no Peti.
— Em 1994, ainda na Fundação Abrinq, começamos uma campanha para combater o trabalho infantil envolvendo a cadeia produtiva. Fizemos um mapeamento e chegamos onde o problema era maior: suco de laranja, sapatos, cana de açúcar, carvão. Os produtores de laranja da Flórida acusaram o Brasil com o argumento do uso do trabalho infantil. Vieram aqui e constataram que não existia mais crianças trabalhando nas laranjas — lembra Oded Grajew, presidente do Ethos.
O mesmo aconteceu com os calçados. Uma reportagem publicada numa revista americana fez com que os compradores dos Estados Unidos quase cancelassem contratos. Um detalhe: na época, 75% dos calçados femininos do Rio Grande do Sul iam para o mercado americano.
Tem sido uma briga importante, mas já há avanços segundo a OIT:
— Tivemos que vencer uma cultura. No início, muita gente achava que era bom criança trabalhar; para aprender. A gente respondia que criança tem que aprender na escola — conta Laís Abramo, chefe da OIT no Brasil.
No Sul do país, há muitos pequenos produtores que querem os filhos trabalhando na lavoura. Parece razoável, mas, por outro lado, quem acredita que a educação é que promoverá a ascensão pessoal e do país tem que continuar apostando que criança aprende é na escola. O maior percentual de crianças trabalhando é no Piauí, mas houve avanços. Eram 17% em 98, hoje são 13%. O maior em número absoluto é na Bahia, mas lá também se avançou: há hoje 204 mil menores baianos a menos no trabalho do que em 98.
Se queremos ser cada vez maiores nas exportações, não podemos esquecer que a exigência do produto limpo vai aumentar sua importância nas disputas internacionais de comércio.
— Combater o trabalho infantil é importante para todas as empresas, mas sobretudo para aquelas que exportam e para as multinacionais. Combater essas práticas não só elimina o risco de ser vetado em outros mercados, criando uma blindagem positiva, como ajuda a valorizar o produto. No caso do trabalho escravo, é a mesma coisa -— afirma Oded.
O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, do Ministério do Desenvolvimento Social, é considerado pelo Banco Mundial um programa exemplo para o mundo.
O pacto recentemente lançado contra o trabalho escravo na cadeia produtiva quer seguir o mesmo caminho e ter também o mesmo bom resultado do ponto de vista da estratégia comercial: remover e prevenir barreiras ao comércio contra empresas brasileiras. Desde que o pacto foi assinado, tem havido tentativa de lobby para que as empresas que o assinaram abram exceções. Só que o avanço foi um passo do qual não há volta.
O trabalho infantil e o trabalho escravo não são nosso único calcanhar-de-aquiles. Há duas semanas, o Brasil teve a mais retumbante propaganda contra dos últimos tempos com o número do desmatamento. Foi primeira página de um sem-número de jornais pelo mundo afora e, claro, começaram a alimentar campanhas contra produtos brasileiros.
Diante disso fazer o quê? Dar uma explicação conspiratória garantindo que tudo está sendo feito para nos prejudicar? Empurrar os dados para debaixo do tapete e dizer que não foram os produtores rurais os responsáveis pelo desmatamento? O melhor é enfrentar o problema. Primeiro com operações como a Curupira. Depois, envolvendo os empresários modernos numa aliança para enfrentar a tragédia da destruição do meio ambiente brasileiro.
A soja e a carne bovina são hoje fundamentais para as nossas contas externas, mas têm que lutar contra a imagem de vilão da Floresta Amazônica. Se ficarem com esse estigma, serão vítimas de barreiras não tarifárias. As barreiras interessam aos concorrentes, mas terão o apoio da opinião pública internacional. Não vai adiantar, de novo, a visão conspiratória. A melhor forma de mudar a imagem do agronegócio brasileiro é lutar contra crimes que chocam a todos, inclusive a nós brasileiros.
O Projeto de Lei das Florestas, que permite concessão de áreas de florestas para exploração mediante plano de manejo, enfrentou um duro teste. Houve um momento em que deputados do PSDB estavam com propostas de emendas que, se aceitas pelo relator, significariam na prática legalizar áreas griladas e desmatadas na Terra do Meio ou na outra margem da BR-163. No auge do impasse, uma conversa entre a ministra Marina Silva e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ajudou a unir a bancada tucana com a do PT em torno do relatório do deputado Beto Albuquerque (PSB-RS). É uma tentativa, ousada, de exploração da floresta, mantendo-a em pé. Tudo isso parece ser contra a produção, mas é a favor.
o globo
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