Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, junho 24, 2005

augusto nunes Palavrório na estratosfera

JB
Palavrório na estratosfera




 

Os primeiros sintomas de megalomania manifestaram-se ainda nas assembléias dos metalúrgicos em greve: nos discursos sempre inflamados, o jovem, barbudo e carismático líder do sindicato de São Bernardo do Campo passou a utilizar abusivamente o pronome "eu" - e a referir-se a si próprio pelo apelido. "Eu digo que os militares se preocupam com o Lula porque têm medo dos trabalhadores", gostava de declamar.

Os sintomas ficaram mais fortes e freqüentes no segundo turno da eleição presidencial de 2002, quando Lula percebeu que o triunfo se tornara tão inevitável quanto a chegada do verão. O epílogo da campanha foi resumido no documentário Entreatos, de João Moreira Salles. A presença da equipe de filmagem e a câmera com a luz acesa não inibiram os acessos megalomaníacos do homem a um passo da vitória.

Em meio a uma amena conversa aérea com integrantes da comitiva, por exemplo, Lula se ejeta do avião e alcança altitudes siderais a bordo da audaciosa auto-avaliação: "Eu sou hoje o único político brasileiro de dimensão nacional". O poder, naquele momento, era só um brilho nos olhos de Lula. Os sintomas se agravaram quando começou a exercê-lo.

Terminado o segundo ano de governo, a coleção de frases superlativas já não cabia num único palácio. O Lula visto por Lula teria sólidas chances de ganhar um Campeonato Mundial de Estadistas: em meio mandato, fizera o que Fernando Henrique Cardoso não conseguira em oito anos. O "Fome Zero" era o maior programa de combate à desnutrição em todo o planeta. A taxa de desemprego caíra, o PIB crescera, o espetáculo do desenvolvimento fizera uma estréia animadora (e logo arrancaria ovações das platéias). Um desempenho e tanto, sobretudo para o governo às voltas com a "herança maldita". JK sonhou fazer em cinco anos o que normalmente exige 50. Lula só precisara de dois.

A lira do delírio continuou a soar durante as turbulências de 2005, e a partitura atingiu o clímax neste início de inverno. Na solenidade promovida na terça-feira em Luziânia, perto de Brasília, Lula começou a ler o discurso preparado por assessores. Os aplausos dos companheiros o induziram a deixar o texto de lado, embarcar no improviso e, de novo, decolar rumo à estratosfera.

"Na história republicana, nenhum governo fez, contra a corrupção, 20% do que estamos fazendo", disse o presidente. Amparado nesse embuste estatístico - não existem fórmulas que permitam cálculos e comparações do gênero -, homenageou-se com outra condecoração. "Ninguém neste país tem mais autoridade moral e ética do que eu para fazer o que tem de ser feito neste país para combater a corrupção", incensou-se.

Merece alguma medalha de ouro por enfileirar tanta redundância numa só frase. Mas a condecoração foi confiscada pelo restante do discurso e permanece sob a guarda dos brasileiros honestos, indignados com o desembaraço dos corruptos federais. A devolução da honraria está condicionada aos rumos e resultados das CPIs em funcionamento ou a caminho. Também depende do comportamento do presidente ao longo das investigações.

Em Luziânia, debochou das gravíssimas acusações que ampliaram o pântano dos corruptos. Qualificou-as de "bobagens" e "denúncias vazias", fabricadas por gente assustada com um segundo mandato de Lula. "E vejam que tudo isso que nós estamos vivendo é por conta de um cidadão de terceiro escalão que diz que pegou três mil reais", simplificou. Sim, o escândalo começou nos Correios. Mas logo chegou ao mensalão, reduziu a suspeitos alguns figurões do PT, espalhou rastros de lama por gabinetes do Planalto e provocou a queda do "querido Zé".

Lula tratou com idêntico desdém os escândalos protagonizados por Waldomiro Diniz e Romero Jucá. E manteve Roberto Jefferson na lista dos parceiros confiáveis até que o presidente do PTB ligasse o ventilador. Recomenda-se a Lula ficar mais esperto e averiguar as denúncias que ouve. Se tivesse agido assim em 2004, quando o governador goiano Marconi Perilo lhe contou pela primeira vez a história do mensalão, o pântano não estaria tão perto do gabinete presidencial.

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