o globo
O Brasil saiu melhor da crise do Collor: instituições fortalecidas e esperanças renovadas. Mas não tem idéia de como sairá desta crise que, num mesmo fim de semana, consegue produzir tantos novos indícios de que algo muito estranho aconteceu na costura da base parlamentar. Na economia, o país vive um mês de inflação zero. Em junho, o IPCA deve ficar entre 0,05% e uma ligeira deflação.
Há um descompasso entre política e economia. De novo. Em junho e julho, o país está vivendo um processo que levará a inflação em 12 meses de 8% para um número abaixo de 7%.
A queda confirma a expectativa de redução das taxas de juros nos próximos meses, que vai melhorar as expectativas de crescimento.
Esta semana, o Banco Central divulgará o relatório de inflação. A divulgação pode trazer algumas boas notícias, segundo o professor Luiz Roberto Cunha:
— Há grande expectativa sobre a previsão de inflação e também do nível de atividade. Eu acho que o crescimento previsto pelo Banco Central pode ser bem maior do que o do Ipea — disse o professor.
Os dados econômicos são como um painel do avião mostrando que está tudo bem. O problema é não saber a intensidade da tempestade política que está vindo por aí.
— A crise política é uma espada em nossas cabeças — comenta o economista Eduardo Faria, do Banco Safra.
No mercado financeiro, a crise é oportunidade de ganho fácil. Aumentou o risco, há mais mercado para os produtos de proteção contra risco oferecidos pelos bancos. Há mais chance de volatilidade e, nesse vai-e-vem é que lucram os grandes operadores.
A sensação de insegurança em relação ao futuro atinge é a economia real, que poderia estar deslanchando este ano.
As grandes empresas enfrentaram o solavanco de 2002, o baixo crescimento do começo de 2003 e começaram a ganhar dinheiro no fim de 2003, com a retomada do crescimento.
No ano passado, pagaram dívidas, ampliaram a produção com aumento de turnos e contratação de hora extra e iniciaram seus planos de investimento na expansão da capacidade.
Entraram em 2005 capitalizadas pelo bom ano de 2004. O anuário Melhores e Maiores da Exame, que será divulgado na próxima quinta-feira, vai mostrar que os lucros das 50 maiores empresas nacionais cresceram de US$ 6,2 bilhões em 2003 para US$ 9,4 bi em 2004; um crescimento de 52,6%. Entre as 500 maiores o lucro foi de US$ 28 bilhões. E basicamente aumento de lucro das empresas privadas porque as 50 maiores estatais tiveram queda do lucro de US$ 10,1 bilhões para US$ 6,3 bi.
A sensação que se tem na economia é de perda de uma janela de oportunidade: a inflação em queda, finalmente, permitirá a queda dos juros. As empresas capitalizadas e com vontade de investir e o país pára tudo porque o governo não sabe para onde vai desde que foi atingido pelo petardo Roberto Jefferson.
O PMDB — que deixa o presidente esperando a resposta para oferta de mais ministérios e mais poder — está totalmente envolvido no sonho da candidatura própria. Jantei recentemente com dois governadores do PMDB. Só se falou em candidatura própria durante o jantar.
A idéia do partido é fazer prévias em todos os estados para ver quem será seu candidato. O ex-governador do Rio, Anthony Garotinho, terá que primeiro passar pelas prévias e superar o desapreço de várias alas do partido antes de ter a legenda.
Seja qual for o resultado da disputa interna, o ambiente no PMDB é, neste momento, de discussão sobre as prévias para definir qual dos vários pré-candidatos será o candidato a presidente no ano que vem. Não há interesse, exceto no PMDB governista, de entrar mais ainda no governo, para corrigir, na undécima hora, o erro do PT de se apropriar de 20 ministérios e do segundo escalão dos ministérios que entregou aos aliados.
Para o PMDB, a questão que mobiliza é a seguinte: depois de duas candidaturas presidenciais com resultados humilhantes (de Ulysses Guimarães em 89 e de Orestes Quércia em 94), o partido não teve coragem de apresentar candidato nas duas outras eleições presidenciais (98 e 2002). Vive a contradição de ter o maior número de prefeituras, ter sete governos de estado, a segunda maior bancada na Câmara dos Deputados, a primeira no Senado e ser caudatário de outros projetos presidenciais.
Neste momento, na economia, a sensação que se tem é que o pior passou. Na política, é que o pior está por vir.
O que a economia sabe é que os bons momentos não duram para sempre. Por isso é que se usa tanto a expressão "janela de oportunidade". Ela está aberta agora. Mas há ameaças: o preço do petróleo voltou a subir ontem após a vitória dos conservadores no Irã, há riscos de estouro de bolha imobiliária nos Estados Unidos. Mesmo a nossa inflação, que está em zero em junho, pode ter problemas mais à frente porque a entressafra, que sempre ocorre entre setembro e outubro, pode ser pior este ano porque houve uma quebra de safra forte no Sul.
Este poderia ser um bom momento, não fosse o descompasso entre política e economia.
Entrevista:O Estado inteligente
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