Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, junho 29, 2005

Míriam Leitão - Déficit zero



Panorama Econômico
O Globo
29/6/2005

O deputado Delfim Netto está animado. Acha que a idéia que apresentou ao governo pode ser bem-sucedida, ser apoiada por partidos até da oposição e abrir uma clareira no sombrio tempo presente. "A idéia está se disseminando, já recebeu editoriais a favor e isso vai fortalecendo os mecanismos de decisão do presidente", disse. A proposta do ex-ministro é o governo congelar o gasto de custeio, aumentar a DRU e levar o déficit nominal a zero no período de quatro ou cinco anos.
Na próxima terça-feira, será feita a terceira reunião do governo para discutir o assunto. Desta vez, estarão lá banqueiros, industriais, empresários do comércio. Umas 25 pessoas. A estratégia do governo é ir testando a idéia devagar para decidir se envia ou não um projeto de emenda constitucional fixando o compromisso com o déficit nominal zero.

Houve um tempo em que era impossível sequer usar a medida nominal, porque, por efeito da inflação, o déficit nominal ficava completamente distorcido. Depois de 94, a conta dava para ser feita. O número chegou a 7,5% do PIB de déficit em 98. Vem caindo nos últimos anos. A proposta do deputado Delfim Netto é chegar a zero dos atuais 2,5%.

— Nós estamos fazendo um esforço danado há sete anos e estamos presos ao mesmo nível de inflação. Exceto por um momento na transição política que a inflação chegou a níveis maiores, a taxa anual tem estado em 7%, apesar de todo o esforço fiscal — explica.

Na sua análise, o país está numa armadilha:

— O Banco Central elevou os juros, mas, ao mesmo tempo, houve uma ampliação do crédito através dos empréstimos consignados; isso elevou os juros ainda mais e provocou uma valorização imensa do real. Em qualquer situação, o real teria se valorizado, mas os juros fizeram com que a moeda brasileira fosse a de maior valorização no mundo. Agora a inflação está caindo por causa da queda do dólar, mas quando o dólar se recuperar a inflação voltará e o Banco Central terá que subir os juros de novo. O que nós temos que fazer é liberar a política monetária desse esforço imenso. Se tem aumento de demanda elevando a inflação, vamos cortar a demanda do setor público.

Delfim acha que o superávit primário é um truque que engana a sociedade inteira:

— Fica todo mundo achando que as contas estão em ordem e se esquece de ver o déficit nominal que continua alto.

O deputado apresentou, então, um projeto que, na visão dele, enfrenta e desarma essa armadilha: congelar as despesas de custeio do governo para os próximos anos, aumentar progressivamente a desvinculação das receitas da União, a DRU, para 40% (atualmente é 20%). Estabelecer a meta futura, dentro de quatro ou cinco anos, de chegar ao déficit nominal zero.

Na visão do deputado, apesar de ser uma medida antikeynesiana, cortar gasto público terá um efeito keynesiano: liberar recursos que hoje não podem ser gastos por causa dos juros altos demais.

— Hoje o país gasta R$ 140 bilhões por ano de juros da dívida por causa dos juros altos demais. Dando-se uma sinalização ao mercado de que o déficit está em queda, os juros poderão cair; com juros menores e mais crescimento, o governo terá mais recursos para gastar da forma certa: em investimento. O investimento público tem um efeito positivo no investimento privado, e isso permitirá maior crescimento no país.

O mercado antecipa os efeitos da meta do déficit zero. Foi assim na Irlanda. Num dado momento, a sociedade percebe os efeitos do programa fiscal e os juros caem mais rapidamente e, num prazo curto, os custos ficam menores. Delfim imagina que se possa reduzir para R$ 70 bilhões o gasto com juros. Além disso, o programa permitirá uma política fiscal mais inteligente:

— Hoje ninguém mais se preocupa com gestão de qualidade. A Saúde sabe que sua receita vai aumentar a cada ano. Na Educação, é a mesma coisa. Esses dois setores estão precisando de um choque de gestão.

Paralelamente a isso, o governo faria um outro corte nas tarifas de importação para aumentar a competição na economia.

— Deixa eu lhe dizer uma coisa: na economia brasileira, houve uma concentração muito grande nos últimos anos que vai do sistema bancário, em que cinco bancos concentram a maior parte do crédito, até a distribuição de alimentos, na qual quatro a cinco redes de supermercados controlam a maior parte do mercado. Em todos os setores, existem oligopólios. Por isso, a proposta é de queda das tarifas de importação. O saldo comercial que está aí não nos serve para nada. O que aumenta o crescimento é a importação que traz novos produtos, novos insumos, novas idéias e novas tecnologias. Com mais competição, haverá ainda menos inflação e o Brasil poderá se parecer com outros países do mundo: com inflação baixa, taxa real de juros de 3% a 4% e se reduz à metade o juro nominal.

A idéia vem sendo discutida dentro do governo; primeiro em grupos menores; depois em duas reuniões com o presidente da República e, na semana que vem, com empresários e banqueiros.

— O PSDB, o PFL não ficarão contra. As corporações ficarão contra, mas aí o PT é o melhor interlocutor para convencê-las de que esse é um bom programa — afirma Delfim Netto.

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