O Globo
Um jovem simpatizante petista, de menos de 30 anos, olha desolado para a televisão que acabou de transmitir seis horas de pura sujeira e lamenta baixinho: "Que pena!" Na expressão, o resumo do sentimento de milhões de outros jovens que pintaram a cara no impeachment do Collor, vestiram vermelho em todas as eleições e garantiram aos discordantes que havia um partido diferente de tudo isso que está aí.
Havia na última eleição duas palavras em disputa pelos marqueteiros: medo e esperança. Agora é o medo da desesperança. O eleitorado petista e seus simpatizantes viveram uma semana dolorosa. Nada é parecido. O eleitor do Collor surfou numa onda fugaz. Não tinha ideologia, nem sonhos. Aquele homem de fantasia, batendo na mesa e levantando os punhos, criatura do oportunismo publicitário, capturou mentes menos compromissadas. Seus eleitores sumiram no ar quando PC Farias falou no Congresso: "Estamos todos sendo hipócritas aqui." No auge do impeachment, não se conseguia achar um eleitor do Collor; 32 milhões de eleitores sumiram mais rapidamente que o numeroso PRN. Na última semana, o Congresso ouviu uma variante da mesma frase, mas o quadro é totalmente outro.
Naquela época, a decepção dos eleitores envergonhados não teve maiores conseqüências. Todas as forças que durante 20 anos estiveram na travessia democrática eram adversárias de Collor. A decepção dos seus eleitores era fator tão superficial quanto a adesão a ele.
Houve outros momentos de crise, abalos e decepções desde então. A maioria ligada ao vaivém econômico. Na campanha de 98, Fernando Henrique prometeu defender a moeda; 13 dias depois de empossado veio a banda diagonal endógena, 2 dias depois a disparada da desvalorização. Antes do fim daquele mês de janeiro, a população traumatizada pensava até em calote. Prometendo a estabilidade e trazendo instabilidade, Fernando Henrique conheceu então o seu fundo do poço em termos de popularidade. Mas decepções econômicas são mais fáceis de curar. Até porque a flutuação do câmbio firmou-se depois como a política cambial defendida para além daquele mandato.
O desmonte de um sonho político é mais assustador. Esse é o pior efeito dos eventos que nos assombram nos últimos dias. Malas de dinheiro que teriam circulado entre políticos, o mesmo Banco Rural, secretárias que viram e desviram, publicitários e sua exorbitante interpretação do que sejam serviços publicitários, financiamento sem nota e registro, linguajar de máfia, o mesmo sujo mundo que os jovens pensavam existir apenas no universo dos "outros".
O que é valioso no PT é o sentimento que inspirou em milhões de jovens brasileiros. Para quem já viveu e se frustrou com outros sonhos de militância, o marketing de um partido puro jamais convenceu. Ele sempre chamou de interesses do povo o que eram, na verdade, os interesses organizados de setores da elite. Ele sempre apresentou como líderes dos trabalhadores quem já não trabalhava, pendurando a conta no Estado em aposentadoria precoce ou licença eterna. Seja como for, eles conclamavam todos a varrer o velho na política e financiar a vida partidária sob outras bases: vendas de broches e adesivos, doações da militância, recursos de fundos partidários e muito trabalho voluntário.
Que partido não invejou essa militância? Não os velhos profissionais da militância com seus clichês vazios, mas os jovens que se apaixonavam a cada nova eleição, que tinham uma bandeira vermelha enrolada em algum canto do quarto para desfraldar em cada passeata? Que nunca esqueciam de pôr o broche na lapela.
O partido que chegou ao poder inchou sua militância com recém-chegados convocados às pressas para dar maioria ao campo majoritário. O partido que chegou ao poder protege seu tesoureiro com batedores que constrangem transeuntes numa cidade de trânsito caótico, permite que dirigentes usem o Palácio do Planalto com a sem-cerimônia dos que não sabem a fronteira entre o público e o privado, e que preferem uma CPI dócil ao processo profilático da apuração.
A claque de sexta-feira, na reunião da facção majoritária, é coisa que qualquer máquina partidária consegue. Difícil será refazer o encantamento dos milhões de simpatizantes e voluntários.
O que o momento atual traz é o risco do desencanto e da desesperança com a política em si. Os mais velhos, que já viram o quanto custa ficar sem Congresso, vão superar o constrangimento que os últimos dias provocaram; os mais jovens, que garantirão o futuro da democracia, podem achar que não vale o preço que cobra. O perigo institucional não é o que o ex-ministro José Dirceu está apontando quando fala em interrupção do processo político democrático. O perigo é o que pode estar nascendo da tristeza de tantos nos últimos dias. Os líderes mais bélicos falam em dar combate, lavar a honra, insinuam conspiração. O fundamental deveria ser esclarecer cada ponto da dúvida. Ela só acaba quando as respostas vierem e as mais convincentes nascerão numa CPI que permita o contraditório. Esta briga pode ter profundas seqüelas na vida política do país. Mais do que alguns políticos brasileiros demonstraram perceber. Ao fim de duas semanas de briga, há cerca de 100 deputados sob suspeição e o partido, que se dizia dono da ética, acusado de tenebrosas transações por um político que, há menos de um mês, poderia receber um cheque em branco assinado pelo presidente da República.
Entrevista:O Estado inteligente
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