Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, junho 20, 2005

Como o presidente Itamar-LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA


folha de s paulo


A segunda grande crise política do governo Lula está levando ao seu término 18 meses antes que ele acabe formalmente. Nesse tempo que resta, só é possível esperar que o governo procure evitar o pior, atacando as causas imediatas da crise, que estão relacionadas com um esquema de apoio a "partidos de negócios". Governar mesmo, dar novas definições aos destinos da nação, fazer reformas, promover o desenvolvimento e a justiça social dificilmente lhe será ainda possível.
O governo não terá condições, principalmente, de atacar a origem mais profunda dessa mesma crise: sua infidelidade aos princípios que orientaram o PT desde sua fundação. Clóvis Rossi publicou nesta Folha (11/06) uma lista impressionante de frases do presidente Lula anteriores a sua eleição. Algumas constituíam pura irresponsabilidade, como a tese de não pagar a dívida externa, mas outras, referentes à possibilidade de baixar os juros básicos do Banco Central (Selic), eram realistas e necessárias. Entretanto o que se viu na prática foi uma política de juros mais radical, mais "ortodoxa" do que a do governo anterior.
O reconhecimento da existência de um nível de taxa de juros Selic abusivo como o grande problema econômico do Brasil, e a decisão de mudá-la de patamar, foi primeiro descartada pelo governo porque havia uma crise de confiança no momento da posse. Depois, superada a crise de confiança graças a uma acertada política de ajuste fiscal e de respeito aos contratos, essa mudança continuou descartada porque faltou coragem para enfrentar os mercados financeiros nacionais e internacionais. Em um terceiro momento, a mudança continuou afastada porque o crescimento de 5% em 2004 deixou o governo eufórico e levou-o à afirmação inconseqüente de que essa taxa confirmava o bom rumo de sua política econômica.
Agora, o governo se vê paralisado pela sua incapacidade de ser fiel a seus próprios princípios e pela confusão entre o patrimônio público e o privado, que a traição a esses princípios facilita. Afinal, quando se perde um projeto de governo, o que sobra é apenas um projeto de poder. E, no entanto, a única política econômica que poderia restabelecer a credibilidade do governo e fazer o país retomar o desenvolvimento é a da baixa da taxa de juros Selic (que não deve ser confundida com a taxa de mercado) para um nível civilizado. Da mesma forma que a alta inflação, entre 1980 e 1994, era o sinal de que vivíamos em tempos anormais, o flagelo que hoje atinge a economia brasileira é representado por um nível da Selic oscilando entre 9% e 13% reais. Esse nível de taxa de juros básica, além de inviabilizar investimentos e destruir as finanças públicas, leva à valorização do câmbio, cujos efeitos danosos são conhecidos. Os sinais de estabilidade macroeconômica não são apenas baixa inflação: são também razoável pleno emprego, equilíbrio das contas externas e taxa de juros moderada.
A alta inflação foi controlada no Brasil no momento em que três condições se cumpriram: primeiro, quando a sociedade brasileira compreendeu que esse era o grande problema a ser enfrentado; segundo, quando um presidente que pouco sabia de teoria econômica, mas tinha espírito patriótico, Itamar Franco, decidiu só manter na pasta da Fazenda um ministro que fosse capaz de enfrentar o problema; e, terceiro, quando esse ministro foi encontrado e o Plano Real neutralizando a inércia inflacionária foi implantado. Hoje, a alta Selic só será vencida se o mesmo procedimento for adotado.
Lula chegou ao governo quando essa nova convicção por parte da sociedade brasileira estava se formando. Quando se percebeu que a taxa de juros não derivava do "risco Brasil" nem que fosse necessária para rolar a dívida ou para manter a inflação sob controle. Para controlar a inflação, a taxa de juros real básica do Banco Central pode e deve variar de 1% a 4%, não de 9% a 13%.
O governo, entretanto, não soube compreender esses fatos elementares. Continuou a acreditar no fogo de barragem da ortodoxia convencional, que afirma que a única alternativa a ela própria são a renegociação da dívida pública e o populismo fiscal; que ameaça o país com a volta da inflação; e que implantou no país um sistema de metas de inflação que paralisa o próprio governo. O Brasil precisa de metas econômicas, mas não podem ser apenas de inflação, devem ser também de taxa de câmbio e de nível de emprego. Metas entre as quais existem compensações, que devem ser consideradas a cada momento em que se decide a política econômica.
Poderá um governo paralisado pela crise, um governo que está terminando antes do tempo, fazer alguma coisa ainda para mudar esse quadro e recuperar a credibilidade perdida? É pouco provável. Para isso, seria preciso uma coragem, um espírito republicano e uma visão de estadista que não parecem disponíveis. Não resta alternativa, portanto, à sociedade brasileira senão esperar que o próximo presidente por ela eleito, e nela apoiado, seja capaz de agir em relação ao nível da taxa de juros como o presidente Itamar Franco agiu em relação ao nível da inflação.

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