folha de s paulo
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
Em meio à atmosfera de apocalipse que o circunda, Lula rogou: "Eu quero que o meu governo seja aferido a partir do dia que ele terminar". Tomara que seja atendido. Se for julgar o desempenho de Lula agora, o país vai acabar se dando conta de que a gestão dele lembra a de Collor. Melhor evitar. São muitas as diferenças que igualam os dois períodos.
Collor era a mentira transformada em verdade pelo marketing. Lula é a verdade convertida em mentira. Collor era o solitário involuntário. "Não me deixem só", bradava. Lula é o solitário espontâneo. Trocou a simpatia das massas pela solidão das más companhias. É como se suplicasse, rodeado por Jeffersons, Janenes, Valdemares e outros azares: "Deixem-nos a sós".
Collor era o poder burguês genuíno, com pedigree. Lula é o poder da classe dominante terceirizado ao operário. Collor era a suspeita indisfarçável. Lula é a desconfiança dissimulada na alma insuspeita.
Collor foi desconstruído pelo PT. Lula usa o ex-PT para se autodestruir. Antigos heróis da CPI do Collorgate vêem-se agora metidos em constrangedoras manobras para domar investigações que, por inevitáveis, já ganharam vida própria.
PC Farias, o Delúbio Soares de Collor, era o cinismo impalpável. Delúbio, o PC de Lula, é a desfaçatez radicalizada. PC era o tráfico de influência à sombra. Delúbio é a exploração de prestígio com livre acesso ao Palácio do Planalto. PC era o privado que invadia o público sorrateiramente. Delúbio é a negação da sutileza.
PC era a recusa da entrevista. Delúbio é a arca que fala. PC era a fuga dos holofotes. Delúbio é a exposição sem medo de ser feliz. PC era a legião de contas fantasmas. Delúbio é o dinheiro que viaja espremido nas malas. PC era a culpa investigada. Delúbio é a suspensão do benefício da dúvida.
O destino foi caprichoso com a era Lula. Ex-comandante da milícia parlamentar de Collor, Roberto Jefferson transmudou-se em Pedro Collor de Lula. A cena não é tão bela quanto já foi. Pedro era a acusação com um lindo par de pernas a tiracolo. Jefferson é a delação desprovida de Teresa.
Pedro era a denúncia pendente do exame de sanidade. Jefferson é a dispensa da junta médica. Pedro era o olhar vidrado do lunático. Jefferson é o olho sobriamente sádico.
Pedro era o destempero improvisado. Jefferson é o destampatório meticulosamente estudado. Pedro era o ganido desafinado. Jefferson é o canto bem-ensaiado.
Pedro era a quebra da regra do jogo movida a interesses empresariais. Jefferson é a quebra de protocolo ditada pela esperteza política. Pedro era a tentativa de salvar a "Gazeta de Alagoas", ameaçada pelas ambições empresariais de PC. Jefferson é o esforço para salvar a própria cara, adensando o banco dos réus. Pedro era pseudopatriotismo do "businessman" que foi contrariado. Jefferson é o neopatriotismo da boca na botija que esqueceu de maneirar. Pedro era inconfidente dos outros. Jefferson é Joaquim Silvério de si mesmo.
Pedro era a propagação do que ouvira dizer. Jefferson é a revelação da vivência pessoal. Pedro era o lado de lá do balcão. Jefferson é o sócio da mercearia, habituado à clientela de colegas gulosos, lobistas melífluos e burocratas corruptos. Pedro era a simulação da defesa do poder puro, livre de PCs. Jefferson é a confirmação de que o poder sem Delúbios é utopia irrealizável.
Pedro era o roteirista amador. Jefferson é o diretor de um "Terra em Transe" pós-moderno, estrelado por um "Zé Sai Rápido Daí Dirceu", um tesoureiro que poda "unhas encravadas", um Valério que vale uns "mensalões", um Genoino de genuína inocência, um Silvinho que silva a esmo, um Sereno que pinga atrevimento e um Lula cego e sem tentáculos.
Esquecida dos próprios erros, assemelhados e impunes, a oposição destila maledicência. Diz que o ex-PT não se preparou para governar. Engano. O petismo chegou a Brasília munido de um plano secreto. Sua missão oculta é a reiteração dos erros fisiológicos iniciados por Sarney, escancarados por Collor e mantidos por FHC. Como que decidido a provar a longevidade da hipocrisia, o ex-PT revela a sobrevivência dos delitos políticos, cometendo-os.
No seu esforço para mimetizar Collor, Lula imitou-o até no mineiro substituto. Alencar não tem a cabeleira do ex-vice. Mas exibe um topete metafórico. Com o timbre ranheta do homem simples, reproduz a crítica aos "desacertos" econômicos e faz pose de reserva moral do Palácio do Jaburu.
Alencar talvez não tenha, porém, a sorte de Itamar. O impeachment voltou ao vocabulário político. Mas é hoje uma bandeira órfã. Rendida ao coronelismo clientelista, a esquerda recusa o papel de porta-estandarte. O ex-PT agora comanda a CPI chapa-branca. A UNE, antes de cara pintada, foi ao shopping-center. A CUT rasgou a faixa de "Fora-qualquer-coisa". O MST trocou o barulho pelo silêncio remunerado dos repasses de verbas públicas a cooperativas suspeitas.
Embora seja a mesma porcaria de sempre disfarçada do seu oposto, o ex-PT está livre para praticar a irresponsabilidade revolucionária. Pode levar a inconseqüência às suas últimas conseqüências. Pode conduzir o Brasil ao beco sem saída perpétuo. Pode restaurar a vocação nacional para a falta de compostura.
O Brasil dos últimos anos é a prova de que, com o tempo, todos acabam incorporando o caráter de Macunaíma. Restaurada a democracia, o único presidente que não enlameou a biografia no exercício cotidiano do cargo foi Tancredo Neves. Os micróbios o salvaram.
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