no mínimo
24.06.2005 | Seria um exagero aconselhar o presidente Lula, o governo e o PT a trocar as chuteiras da arrogância pelos confortáveis chinelos da humildade. Décadas de caneladas nas pernas do adversário provocador sedimentam hábitos que se incorporam à personalidade, calombos que se acomodam nos cacoetes de cada um.
Nos últimos dias a temporada azarenta fechou o tempo, esquentou o clima e a ressaca começa a depositar na areia a lama de denúncias, no vaivém das ondas.
É constrangedor o descompasso entre os recentes improvisos presidenciais, a fingida indiferença do presidente petista José Genoino, a empáfia dos ministros mais salientes com a preocupação dos sensatos e a correria palaciana para tapar os rombos na tubulação dos esgotos.
Depois do repetido show do deputado Roberto Jefferson, que jogou denúncias no ventilador, na insistente confirmação da mais grave das suas acusações – a propina do mensalão pago pelo PT, com recurso desviado de órgãos públicos, a deputados do PL e do PP para garantir o apoio e o voto aos projetos do interesse do Planalto –, a roda da fortuna desandou e soa em tom desafinado a ênfase do presidente Lula proclamando-se, como sempre, o recordista no combate à corrupção.
Na mesma toada, não fica bem ao presidente desafiar os seus desafetos que provem que qualquer outro governo realizou mais do que o seu, em qualquer setor, em dois anos e seis meses de mandato. Ora, sem querer tripudiar, o presidente está desinformado ou não controla o gogó no embalo do improviso. Batendo o bumbo do óbvio: em cinco anos, JK construiu Brasília e mudou a capital para o cerrado; estimulou a criação da indústria automobilística, mexeu em todas as áreas. E para ficar no exemplo dos tempos negros da ditadura militar: no governo do general-presidente Costa e Silva, o ministro dos Transportes, Mário Andreazza, construiu a ponte Rio-Niterói e multiplicou a rede rodoviária por todo o país.
Até aqui, além da cesta básica, a inércia do governo Lula projeta a sua sombra nas recomendações feitas à recém-empossada ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff: desvelos especiais para os projetos de transposição das águas do Rio São Francisco, a ferrovia Transnordestina, a recuperação da malha rodoviária, o biodiesel e a área social. Quer dizer, conversa para começo de governo, não para a reta final no sufoco da crise.
A disposição da gerente administrativa do Palácio do Planalto esbarra na superficialidade do diagnóstico do presidente sobre as verdadeiras deficiências no desempenho do governo. E no apelo aos remendos que disfarcem as manchas do insucesso. A começar pelo inchaço do ministério, com 26 ministros e secretários.
Além do tropeço, o esbarro nas denúncias de corrupção, que saltam dos primeiros depoimentos na CPI dos Correios, em declarações de secretárias e prometem uma avalanche com a instalação da CPI do mensalão. O governo e seus porta-vozes exigem fatos e provas. Pois os relatos empilham fatos amarrados pelo fio da aparente coerência. Apresentam documentos. Claro que apenas municiam a CPI de elementos para o dever de investigar e afinal concluir.
É estarrecedor o depoimento de Maurício Marinho, ex-chefe do Departamento de Contratações dos Correios, detalhando o loteamento das áreas técnicas do órgão entre os partidos da base de apoio do governo para a livre nomeação de diretores e a ordenha das comissões milionárias de contratos, sendo que 15 identificados na lista entregue à CPI. Nada de novo em velha prática na degradação da atividade política. Mas, encorpa a suspeita de que o esquema petista é aplicado em toda a máquina administrativa ocupada pelo partido e seus parceiros.
O Supremo Tribunal Federal (STF), por nove votos a um, determinou que o presidente do Senado, Renan Calheiros, indique os membros para a CPI dos Bingos, barrada por manobra governista, que investigará o envolvimento de Waldomiro Diniz, ex-assessor do ex-chefe da Casa Civil, deputado José Dirceu, com empresários do jogo de azar.
A deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO), em depoimento prestado no Conselho de Ética do Senado, confirmou que recebeu proposta de R$ 30 mil mensais, além de R$ 1 milhão de luvas para trocar de partido, filiando-se ao PL.
Uma enxurrada de lama de morro abaixo que precisa ser barrada antes que inunde os três poderes, atolados no pântano da crise institucional.
Com CPI não se brinca.
Entrevista:O Estado inteligente
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