folha de s paulo
O xadrez político não está fácil de resolver, e parece não ter caído a ficha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por mais que a crise sistêmica não interesse à maioria das forças do país, nem à oposição, nem ao governo, nem à mídia, ela está ganhando dinâmica própria, que em breve a tornará irreversível. O país está em pleno tsunami da opinião pública, processo sobre o qual ninguém tem controle, nem a própria imprensa.
Ocorre quando o desgaste do governo chega a tal nível que cada boato ganha o peso de uma bomba atômica. Esse tsunami varreu Fernando Collor, na campanha do impeachment, quase liquidou com Fernando Henrique Cardoso, no período pós-desvalorização do real.
É um processo cumulativo, que, em geral, inicia-se com o triunfalismo da posse e o porre da vitória. Há certa libação, uma ostentação de poder que dispara sinais de alerta na mídia -daqui e das democracias maduras também. Só que as democracias maduras têm sistemas de amortecimento de crises. Aqui, é ferro contra ferro.
Em um primeiro momento aparecem denúncias, que não colam porque o governo tem estoque alto de credibilidade/popularidade. A cada nova denúncia, a cada deslize verbal, a cada problema econômico, o estoque de credibilidade vai se esgarçando. Até que explode um gatilho, fato qualquer, e aí o processo fica quase incontrolável, por mais que não interesse a quase ninguém uma crise institucional. Principalmente por aqui, onde o presidencialismo não criou colchões que amorteçam as grandes crises políticas. É o tsunami midiático, o reflexo violento da perda de legitimidade do governante, no qual os próprios jornais vão a reboque da indignação do público.
O problema de Lula não é mais de maioria no Congresso. Esse problema estava posto um lance atrás, quando Lula descartou a reforma ministerial. Hoje em dia, o problema é muito maior: é recuperar rapidamente a legitimidade.
O tamanho da crise exige gestos heróicos, antes que adquira uma dinâmica incontrolável. E, por gestos heróicos, não se pense em enfrentamentos ou coisas do gênero. O que de pior poderia ocorrer, hoje em dia, seria José Dirceu aparecendo como líder de um movimento social organizado contra a política econômica. O depoimento de Roberto Jefferson não apenas feriu gravemente o governo mas rachou o partido de forma definitiva. A tese da conspiração não irá colar nem entre as lideranças mais ilustres do PT. Apenas poderá acelerar o final do governo.
A hora é a de recompor a governabilidade. A única maneira será tomar medidas que passem claramente para a opinião pública a sensação de que a crise serviu para avanços definitivos. Por exemplo, uma emenda parlamentarista; uma reforma política que seja percebida como definitivamente moralizadora; uma emenda que acabe com a reeleição; atos concretos que comprovem a descontaminação ampla da máquina pública. Por mais que a política econômica tenha que mudar, não é hora de misturar agendas. Pelo menos até que o tsunami fique sob controle.
Entrevista:O Estado inteligente
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