Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, junho 28, 2005

O Congresso não enxerga o abismo -AUGUSTO NUNES

jb

 

O senador Jorge Bornhausen, do PFL de Santa Catarina, não desperdiça dinheiro com pesquisas para medir a própria popularidade. Recorre ao que batizou de "teste da praia". É infalível, garante, sobretudo quando aplicado a integrantes do Congresso. "O parlamentar deve ir à praia mais freqüentada do seu Estado e dar uma caminhada pela areia", explica. "Se não houver reações hostis, pode considerar-se aprovado".

Manifestações de simpatia, informa, significam aprovação com louvor. "Se for vaiado, convém melhorar o desempenho ou mudar de profissão". Nos estados desprovidos de litoral, pode ser usado o "teste da avenida", mais arriscado: a gente das ruas supera em agressividade a turma estendida na areia, que não costuma movimentar-se sequer para perseguir quem roubou a bolsa da jovem ao lado. Abstraídos os riscos, a fórmula urbana é igualmente eficaz.

Não seria má idéia tornar o teste obrigatório para deputados e senadores, e aplicá-lo periodicamente. Tempo é o que não falta aos inventores da semana de três dias úteis. Os parlamentares trabalham na terça, na quarta e na quinta, quando começam a deixar Brasília para o feriadão que terminará segunda à noite. Não lhes será difícil guardar para o teste uma fatia das muitas horas consumidas em "contatos com as bases". Bases: é assim que os pais da pátria se referem ao pequeno bando de parentes, amigos, agregados e vassalos.

A maioria dos congressistas prefere manter distância, durante os feriadões, de um Brasil real cada vez mais irritado com os políticos em geral e, em particular, com o Poder Legislativo. Aturdidos com o tamanho do pântano, permanentemente abastecido de lama com a sucessão de escândalos que envolvem parlamentares corruptos, os brasileiros honestos têm pressa, querem soluções urgentes. O Congresso segue o ritmo preguiçoso de sempre e, confrontado com a necessidade de aprovar medidas fortes, prescreve paliativos.

Se o teste de Bornhausen fosse aplicado neste fim de semana, os parlamentares sobreviventes voltariam a Brasília assustados com as dimensões do abismo que os separa da nação. De imediato, esqueceriam o recesso previsto para julho e tratariam de aprovar a autoconvocação que sepultará um período de férias absurdo neste inverno inquietante. Retomariam o calendário imposto ao restante do país e passariam a trabalhar nos dias úteis engolidos pelo feriadão semanal.

A CPI dos Correios precisa seguir adiante. Não se pode interromper a devassa dos fétidos labirintos do "mensalão", por enquanto apenas tateados. Políticos governistas imaginam que o recesso abrandaria a irritação da sociedade e reduziria as pressões sofridas pelo governo Lula. Engano. Será apenas outra bofetada numa nação exausta de espertezas, irritada com quem apadrinha ladrões e decidida a punir delinqüentes. A paciência do Brasil acabou.

Malandragem perigosa

Uma lei aprovada em 1995 estabeleceu que, a partir das eleições de 2006, só teriam direito a seguir vivendo os partidos que conseguissem 5% dos votos apurados em todo o país. Se essa "cláusula de barreira" fosse aplicada ao último pleito, por exemplo, já estariam na tumba 21 das 28 siglas hoje existentes, todas com acesso a espaços na TV e a recursos do Fundo Partidário. Sobrariam sete: PT, PFL, PMDB, PSDB, PP, PSB e PT.

Iriam para o descanso eterno as legendas de aluguel, as invencionices regionalistas e os partidos que camuflam o raquitismo agudo falando com voz de gente grande ou comprando deputados de outros partidos. No meio dos Pronas da vida, desapareceriam também o PL, o PTB, o PCdoB e o PPS.

A constatação induziu a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara a modificar o índice no projeto, já encaminhado para a votação no plenário, que promete promover a inadiável reforma política: a "cláusula de barreira" cai para 2% dos votos, malandragem que garante a sobrevivência de mais quatro partidos. Aqueles.

É bom que a Câmara tome jeito. Caso contrário, o Brasil decente dará um jeito na Câmara.

 

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