Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, junho 29, 2005

Guilherme Fiuza:Dilma, uma miragem

no mínimo

29.06.2005 |  É bem verdade que, nos dias de hoje, não ter nenhuma ligação pessoal com Delúbio ou Valério é quase um atestado de idoneidade. Ainda assim, o personagem da super-Dilma, projetado sobre a nova ministra-chefe da Casa Civil, parece estar ligeiramente inflacionado. A distância entre Dilma Roussef e os amigos de seu camarada de armas, José Dirceu, pode ser suficiente para indicar o que ela não é. Só ficou faltando dar uma espiada no que ela é.

Ela é a primeira mulher a assumir a Casa Civil, exalta o noticiário. Esse tipo de coisa definitivamente parece tocar os brasileiros. A primeira mulher, o primeiro operário, o primeiro tesoureiro, e assim por diante. Mas não é só isso, Dilma é justiceira. Arrombou o cofre do corrupto Adhemar de Barros. Ela é macho, como disse Gilberto Gil, sem deixar de ser fêmea, e ainda por cima é técnica, sem deixar de ser executiva – uma gestora dura, sem perder a ternura. Enfim, Dilma é um achado.

Mas onde andava essa unanimidade nos últimos dois anos e meio, que ninguém reparou direito? Dilma era a ministra das Minas e Energia, e o Brasil acaba de descobrir que a gestão dela por lá foi exemplar. Agora ela vai cuidar do governo como um todo, coordenando a execução dos principais projetos nacionais, e estão dizendo que desta vez o país engrena. Foi pena que Lula não tivesse descoberto essa locomotiva antes.

O Brasil está unido torcendo pela super-Dilma, que encarnou o que se poderia chamar de "banda boa" do governo Lula. Parece um movimento saudável, mas não há punição prevista para os antipáticos que quiserem manter um olho na realidade. Na realidade, Dilma Roussef assumiu o ministério das Minas e Energia declarando que as agências reguladoras tinham poder demais. Ou seja, a gestora-política-técnica-conciliadora iniciou sua gestão dizendo que a instituição encarregada de zelar pelas regras do setor de energia elétrica estava prestes a ir pelos ares.

Pode-se imaginar como investidores, acionistas, concessionários, enfim, como o gigantesco mercado do setor elétrico passou a dormir com um barulho desses. O sinal seguinte da ministra não foi menos espetacular: colocou sob suspeita o acordo pelo qual o governo financiaria perdas de 3,5 bilhões de dólares das distribuidoras com a desvalorização do real (1999) e a crise de energia (2001). Dilma deu a entender que considerava aquilo uma colher-de-chá para empresas mal geridas, e que o BNDES não ia pagar.

É claro que essas declarações bombásticas da ministra tiveram muito mais repercussão do que o recuo dela, meses depois. Dilma acabou descobrindo, ou alguém lhe explicou, que o acordo era legítimo e que as empresas como um todo não estavam à beira do colapso por má-fé ou preguiça. O esforço e o tempo perdidos com essa turbulência também não foram, evidentemente, para o topo do noticiário.

Depois de embaralhar as cartas, a ministra assumiu o comando da rearrumação da casa. A essa altura, o recado já estava claro: agência reguladora, regras pré-estabelecidas, acordos e todo aquele aparato institucional continuava valendo, desde que tocado pela caneta da fada-madrinha. E se a fada-madrinha queria dizer ao povo que a tarifa de eletricidade estava alta demais, azar o da tarifa – e do sistema existente por trás dela.

Foi mais ou menos com esse espírito que Dilma Roussef lançou as bases de um novo modelo para o setor elétrico (já havia um novo modelo em preparação, mas a ministra não perderia a chance de conceber um novo-novo modelo). A novidade central era a instituição de um leilão nacional de energia, medida já prevista no projeto anterior, mas que Dilma assegurava que reduziria o preço da tarifa para o consumidor. Contra todas as tendências de mercado, no qual a entrada das novas usinas encarece a energia gerada, a varinha da fada-madrinha montou um leilão onde as cotações foram jogadas artificialmente para baixo (niveladas aos menores preços oferecidos).

Em outros tempos, essa varinha de condão seria também chamada de Mão de Ferro do Estado. Ou seja, a estratégia da super-Dilma é do tempo em que se acreditava em baixar preços na marra. É um filme com final previsível: ou as empresas estarão novamente asfixiadas logo adiante e precisarão de nova injeção bilionária (prepare-se, contribuinte), ou o prejuízo terá que ser compensado em futuro próximo com um tarifaço (provavelmente depois das eleições).

Em suas primeiras entrevistas como ministra da Casa Civil – dizendo sempre, em seu timbre quase gritado, ser uma pessoa que gosta muito de ouvir – a nova locomotiva de Lula procurou dar uma idéia de qual será a agenda nacional daqui para a frente. A lista inicial de prioridades é impressionante: continuar a tratar do projeto de transposição do São Francisco, dar uma regada no projeto das parcerias público-privadas, recuperar a malha rodoviária (ou tapar buraco de estrada, como soar melhor) e o item mais empolgante, dar atenção especial "ao conjunto de programas sociais".

Esta é a agenda inicial da camarada de armas Dilma Roussef, gestora exemplar, técnica com sensibilidade política e nova figura de proa da administração Lula. Quem achava que o governo tem estado meio parado ainda não viu o melhor da festa.

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