Na queda de José Dirceu está implícita a admissão de que o núcleo da Presidência o vê como um fator de vulnerabilidade. Nenhum governo se expõe a abalo tão desgastante, mesmo que a grande mídia o proteja com distorções e subterfúgios, a menos que tomado do sentimento de urgência para medidas de prevenção: o afastamento de José Dirceu deu-se menos de 48 horas depois das insinuações de Roberto Jefferson, enquanto nem o principal atingido pela denúncia de suborno parlamentar, Delúbio Soares, perdeu o lugar no esquema político do concubinato governo/PT.
Não coube sequer o ato responsável e competente, como política e como governo, de escolher e comunicar prontamente ao país o nome do substituto. Apesar desses indícios eloqüentes, não é neles que está o mais importante significado da queda de José Dirceu.
O grupo que se instalou no comando do governo levou dois planos. Um, tático, de engenharia de condução do governo, com a entrega de poder absoluto ao ministro da Fazenda sobre toda a política econômica e, na outra parte, a ação política e a manipulação administrativa sob poder absoluto do Gabinete Civil. À parte, Lula entregue às tarefas de marketing político, em eventos populistas e atos oficiais, circundado por um dispositivo de propaganda sem precedente, com a Secretaria de Comunicação entregue a Luiz Gushiken.
O plano estratégico consistiu no projeto, digamos, ideológico. Conter a alta burguesia dando-lhe as alegrias financeiras que são o seu objetivo de vida e, em troca, obter a tranqüilidade e certos apoios para enraizar-se nos tentáculos todos do poder. Neutralizadas as resistências internas, evitadas as ações contrárias do capital externo e dos governos que o representam, e consolidadas as conexões internacionais com os semelhantes -pronto, aí está o que a esquerda chama de "condições objetivas" para dar nova cara à estrutura interna e à ordem mundial.
A queda de José Dirceu significa a derrota desse Grande Projeto que o teve, no grupo petista, como maior artífice. As causas não importam no momento, sendo suficiente observar que a ação política e suas projeções sobre a sociedade foram tão primárias quanto presunçosas, e com sua sucessão de erros deram início e fim à derrubada do Grande Projeto, do conceito petista e de José Dirceu.
Não passa de irresponsabilidade a afirmação, feita e repetida por José Dirceu, de que "há um movimento articulado para tentar impedir o término do governo do presidente Lula" e "querem interromper o processo político-democrático". Não se encontra nem sequer um indício em tal sentido. Até agora, só o próprio governo foi acusado de intenções contra "o processo político democrático", com pretendidos conselhos censurantes e alegados métodos de engordar, em variados sentidos, a sua "base parlamentar aliada".
O senador Aloizio Mercadante diz que "Dirceu volta ao Parlamento para defender sua honra, o PT e o governo". Até improvável demonstração em contrário, nenhum lugar é melhor do que o centro do poder para defender-se e defender, seja do que for. Só a sabujice do jornalismo chapa-branca pode apregoar que, com saída de José Dirceu do governo para a Câmara, "o governo iniciou o contra-ataque". José Dirceu caiu, simplesmente, como tantos ministros caíram e outros vão cair, sempre. Caiu, como todos os anteriores e os futuros, porque derrotado. Vitoriosos não fazem retirada.
No ato de sua despedida palaciana, José Dirceu disse acreditar que, "na Câmara a partir da semana que vem", vai "poder esclarecer ao país" as "denúncias infundadas" que o atingiram. Será muito bom que tenha êxito.
Entrevista:O Estado inteligente
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domingo, junho 19, 2005
JANIO DE FREITAS:A derrota
folha de spaulo
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