DORA KRAMER |
O Estado de S. Paulo |
24/6/2005 |
Tratado como fisiológico de carteirinha, PMDB agora exige salvo-conduto ético Por essa certamente o presidente Luiz Inácio da Silva não esperava. Justo ele que, em dezembro de 2002, dias antes da posse, desautorizou um acordo firmado por José Dirceu com o PMDB alegando incompatibilidade moral do governo então em fase de montagem com a substantiva folha de serviços prestados ao fisiologismo que caracterizava a atuação do PMDB pós-redemocratização. Agora, para aumentar sua presença e embarcar unido no governo, o partido exige que Lula lhe dê um atestado de probidade, entregue nacos significativos de poder e ainda desista de condicionar sustentação governamental a apoio eleitoral, deixando os pemedebistas livres para levar adiante seu projeto de disputar a Presidência da República em 2006, tentando, portanto, impedir a reeleição do atual presidente. Não é de forma alguma um quadro confortável para o PT ver-se na contingência de recorrer ao PMDB numa situação de correlação de forças - inclusive no campo da ética - absolutamente desfavorável. Os pemedebistas, notadamente os que se mantiveram em oposição, comem daquele prato cujo sabor fica melhor quando servido a frio: a vingança. Naquele dezembro de 2002, Dirceu teve de retirar a oferta feita ao presidente do partido, Michel Temer, de dois bons ministérios - Minas e Energia e Integração Nacional - e explicar que o então presidente eleito não considerava adequada a presença do partido em sua equipe. O atento leitor, nessa altura, perguntará: mas, e na companhia dos outros, o PL e o PTB (o PP nunca entrou no primeiro escalão), o presidente não se importava de andar? Pois é. Talvez tenha imaginado que, por menos notórios e menores, pudessem servir aos propósitos de ampliação da base parlamentar a um custo menor no quesito imagem. Acreditou também que o tempo e a abstinência de poder levariam o PMDB a aderir por gravidade. Numa primeira etapa, a idéia era tentar isolar a direção partidária, oposicionista, fazendo interlocução paralela com o então presidente do Senado, José Sarney, e o líder do partido, senador Renan Calheiros. Dentro dessa ótica, o PMDB chamado governista ganhou dois ministérios em janeiro de 2004. Renan e Sarney asseguraram que logo entregariam o partido como um todo ao governo, pois contavam derrubar o grupo denominado no Palácio do Planalto de "as viúvas de Fernando Henrique" do controle da máquina. Deu errado, não obstante a direção partidária tenha ficado de fato asfixiada e com a cabeça a prêmio. Michel Temer e seus aliados impuseram derrotas internas aos governistas mas não conseguiram sustentação nas bancadas da Câmara e do Senado. Não tiveram força, por exemplo, para fazer cumprir a decisão do Diretório Nacional que aprovou, em dezembro de 2004, a entrega dos cargos federais. Daí em diante os dois grupos iniciaram uma tentativa de composição ante a evidência de que, separados, teriam um mau destino. No mínimo, valeriam metade em qualquer projeto de aliança, seja com o PT ou com o PSDB. Estavam assim na fase de negociações para aproximação em torno do projeto comum da candidatura própria, quando o infortúnio abateu-se sobre o governo e Lula viu-se diante da premência de ter o PMDB, o mais unido possível, a seu lado. Com a base parlamentar esfrangalhada pela desorganização e envolvimento nas denúncias de corrupção, os pemedebistas passaram a ser primordiais já não tanto para o projeto de reeleição, mas para o dia de amanhã e depois. Afinal de contas, o problema de Lula agora não é montar estratégias para se reeleger em 2006; no momento, precisa mesmo é de sustentação política para conseguir governar até lá. Sem defesa Daqui a pouco a crise completa dois meses e o governo ainda não conseguiu, ou não quis, montar uma boa estrutura de defesa, como se fosse indefensável. Petistas e governistas reagem às tontas, são atropelados pelos fatos, limitam-se a desmentidos genéricos e a tentativas de desqualificar os acusadores. É pouco diante da magnitude dos indícios. Provar que Mauricio Marinho é corrupto não resolve o problema, pois isso está posto na gravação exibida ao País. A CPI não foi criada para investigar a conduta do funcionário, mas para esclarecer se o suborno pago a ele era ato decorrente de um esquema de corrupção mais amplo, envolvendo partidos aliados ao governo federal, cuja responsabilidade por hora prende-se à entrega àqueles mesmos partidos dos instrumentos (os cargos) para execução do malfeito. Se ele, a secretária, a deputada, o empresário e o deputado Roberto Jefferson mentem para levar ao cadafalso gente inocente, basta a apresentação de, senão provas, ao menos indícios igualmente relevantes de que seus depoimentos carecem de fundamento. Saiu por quê? José Dirceu não saiu da Casa Civil para dar início à reforma do Ministério. Ninguém até agora disse por que mesmo ele saiu. Então é possível que tenha saído rápido, dentro do prazo estipulado por seu colega de Câmara, Roberto Jefferson, para não fazer do presidente Lula um réu. |
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, junho 24, 2005
Dora Kramer - O sabor do prato servido a frio
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