Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 23, 2005

Miriam Leitão :Estilo direto

o globo

A ministra Dilma Rousseff disse que a ordem que o presidente Lula deu a ela foi que fizesse o governo andar apesar da crise. "Há muito investimento que depende de sinais do governo. Vamos tocar, por exemplo, o fundo garantidor para fazer andar as PPPs. Há várias medidas exigindo definição e esse é o meu trabalho mais importante agora", afirmou a nova ministra da Casa Civil.

Dilma lembra, no entanto, que isso não significa ficar fechada apenas com o governo:

— Terei que ter contato com bancadas e com governadores para defender projetos de interesse do governo. Essa é uma das dimensões da Casa Civil.

O temor da ministra é que até o setor privado fique paralisado diante deste período de turbulência, por isso ela acha que é fundamental que o governo volte à normalidade. Acredita que a crise está sendo enfrentada de um lado pelo Congresso, na CPI, e, de outro, pela Polícia Federal, com investigação.

— Tudo tem que ser apurado e os responsáveis, punidos.

Diante do fato de que a Polícia Federal foi atrás do tesoureiro do PTB, mas não foi atrás do tesoureiro do PT, Dilma acha que é natural e não que tenha havido uma atuação política:

— Sobre o tesoureiro do PTB, tinha uma acusação concreta de que havia R$ 4 milhões no cofre do partido.

Na avaliação dela, não há uma denúncia concreta sobre Delúbio Soares, apontado pelo deputado Roberto Jefferson como sendo o chefe do suposto esquema do mensalão.

Perguntada sobre se há conspiração contra o governo Lula, ela procurou atenuar o tom da acusação feita pelo ex-ministro José Dirceu, mas manteve a idéia central. A escolha por esse caminho conspiratório é a pior possível e o governo já sabe disso.

— Há setores interessados na interrupção do mandato e antecipação das eleições.

Quis saber se esses setores são o PSDB e o PFL e ela afirmou que não apontaria ninguém porque poderia cometer injustiças. Dilma Rousseff acredita que o ex-ministro, quando disse aquilo, estava falando para as bases do partido e negou que ele estivesse fazendo isso para acirrar os conflitos na sociedade brasileira.

O PT cresceu organizando movimentos populares contra os governos. Desta forma, conseguia suas conquistas. Mas José Dirceu disse que vai organizar os movimentos sociais para lutar pelo governo Lula. Contra quem os movimentos sociais vão lutar?

— O que José Dirceu fez foi um duplo movimento: ele sai do governo e, como militante do PT, está prestando contas e discutindo com as bases do partido; por outro lado, está alertando para que qualquer situação escusa não venha a acontecer — explicou Dilma.

A ministra nega, mas este tipo de convocação dos movimentos sociais para lutar contra ninguém sabe quem e a acusação de que há uma conspiração de não sei quem contra o governo Lula acirram conflitos, aumentam a instabilidade e alimentam as dúvidas sobre a estabilidade política do país.

A maioria das críticas feitas à indicação da ministra foi ressaltando que ela é muito dura no trato, agressiva, e que, portanto, não faria bem esse trabalho que exige habilidade e capacidade negociadora. Perguntei sobre isso a ela durante a entrevista ontem da Globonews.

— Eu sou direta — definiu-se Dilma.

Ela acha curioso o fato de que homens que sabem mandar não recebam a mesma acusação de serem agressivos.

— São todos uns docinhos! — ironizou.

Com bom humor também, respondeu ao ministro Gilberto Gil, que disse que ela tem um lado "macho":

— O ministro é um poeta, mas nessa ele não foi feliz não. Ficou me devendo.

A ministra chegou com apenas um assessor, com 10 minutos de antecedência e demonstrando uma invejável calma. No mesmo dia, em outros quatro pontos (pelo menos), na cidade de Brasília, o mundo pegava fogo. No Conselho de Ética, a deputada licenciada do PSDB Raquel Teixeira ratificava as acusações de suborno contra o deputado Sandro Mabel. Na CPI dos Correios, Maurício Marinho pedia proteção policial para denunciar não só erros em contratos com agências de publicidade mas outras irregularidades. Na Câmara, José Dirceu fez um discurso que provocou as reações de praxe. Uma delas, intolerável, do sempre intolerável deputado Jair Bolsonaro, mais uma vez ecoando um passado felizmente morto e enterrado. Para concluir o quadro de uma terrível quarta-feira, o STF aprovou a CPI dos Bingos.

O mercado felizmente continua alheio a todos os distúrbios políticos. Alheio no movimento dos indicadores financeiros, que fique bem entendido. Os analistas estão cada vez mais preocupados com a deterioração do quadro político do país.

Dilma Rousseff vai para o posto-chave do governo num momento de extrema turbulência. Alguém comentou com ela antes da entrevista que o mundo estava caindo:

— Não, não diria que o mundo está caindo — reagiu, mostrando ter aquilo que falta ao governo neste momento: sangue-frio.

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