Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 03, 2007

Miriam Leitão Segunda pergunta

A primeira pergunta que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, tem ouvido nos últimos tempos, quando encontra investidores daqui ou do exterior, é se ele vai permanecer cargo. A segunda pergunta que ouvia era sobre Afonso Bevilaqua. Isso dá a dimensão da importância do que houve esta semana: saiu segunda pessoa mais importante do BC.

Meirelles já fez dez mudanças na diretoria, mas sabia que esta era a mais difícil.

O poder dentro da diretoria do Banco Central tem muito a ver com a personalidade de quem ocupa o cargo e com o tempo que o diretor está no posto.

Afonso tinha as duas coisas: força pessoal e tempo de casa. Descrito pelos amigos como “de personalidade muito forte, pouco flexível a mudar de opinião e com um grande poder de convencimento”.

Sem dúvida, era a figura-chave nas reuniões do Copom.

Bevilaqua discorda dessa análise. Acha que é uma injustiça com os outros participantes da diretoria.

— Não acho que a política monetária vai mudar de jeito nenhum. O Banco Central é uma instituição vencedora, tem se fortalecido continuamente e não depende de pessoas específicas — disse-me ele ontem.

Mas a diretoria que ocupava — e ocupará ainda por algumas semanas — foi ficando mais importante com o tempo pelos últimos diretores que nela estiveram desde a adoção do sistema de metas de inflação: Sérgio Werlang, Ilan Goldfajn e Afonso Bevilaqua. Passou a ser uma diretoria que cuida do cumprimento da meta. É o diretor que abre os trabalhos do segundo e mais importante dia de discussão do Copom. Ele apresenta uma análise de conjuntura e, às vezes, já conduz a uma conclusão.

Bevilaqua era um formador de opinião dentro do Copom. Há sempre diretores que acompanham o voto do presidente, principalmente os de áreas mais burocráticas.

Bevilaqua perdeu algumas votações, mas venceu várias. O diretor de política monetária, no sistema de metas de inflação, cargo ocupado por Rodrigo Azevedo, transformou-se no principal operador, mas a formulação fica com a diretoria de Política Econômica.

O novo ocupante do cargo, Mário Mesquita, doutor por Oxford, é considerado tão bem formado quanto Bevilaqua, mas de temperamento mais brando.

Dificilmente exercerá o mesmo poder de convencimento dos demais, apesar de não ter opiniões muito distantes das do diretor que ocupava o cargo.

Outra conseqüência da saída dele é aumentar o poder do próprio presidente do Banco Central. Mas antes é preciso resolver uma questão preliminar: Meirelles fica ou não fica? O mercado entendeu a declaração do presidente de que a “equipe econômica está blindada pelo seu sucesso” como uma confirmação de Meirelles, mas não houve convite formal e, enquanto não houver, ele não tem como responder à primeira pergunta.

A situação mostra bem o que tem sido a autonomia do Banco Central brasileiro: uma autonomia concedida e que pode ser retirada na hora em que o presidente desejar. Caso Meirelles seja confirmado, o presidente Lula terá resistido a várias pressões para mudar o em favor de uma visão mais petista em relação à política econômica no segundo mandato. Mas depende unicamente dele, porque a força que o Banco Central recebia do ministro da Fazenda, na época de Antonio Palocci, não existe mais.

Bevilaqua sai do BC com algumas vitórias: três anos seguidos de cumprimento da meta; taxa de inflação abaixo da meta; a Selic menor desde a sua criação nos anos 80; a taxa real juros calculada com a inflação de um ano e com expectativa de inflação um ano é a menor desde Plano Real. Mas o crescimento ficou abaixo do esperado.

A política monetária desse período foi criticada por analistas de tendências diferentes. Cumpriu-se a meta, mas, na avaliação até economistas que não opõem à política seguida pelo BC, os juros poderiam caído mais e mais cedo.

O diretor não gosta comentar essas críticas.

que é difícil fazer o “contrafactual”, mas aceita comentar o futuro.

— Acho que a economia vai crescer mais em 2007 que em 2006 e com inflação dentro da meta. Os dados de atividade do último trimestre e os primeiros indicadores deste ano mostram um quadro favorável para o crescimento — Bevilaqua.

Há agora, teoricamente, uma diretoria vaga, a Estudos Especiais. Ela sempre foi considerada uma espécie de diretoria de passagem.

Há quem defenda sua extinção, e quem veja nela a chance de uma cunha política.

O Brasil tem avançado construção de um Banco Central, mas ainda está longe do que é necessário. O é dependente e, de vez quando, é alvo de ataques de integrantes do governo, como se fosse dele o poder de fazer o país crescer.

crescimento é resultado equações bem mais complexas.

Às vezes, o poder tem o banqueiro central depende da mística que se forma em torno de uma pessoa.

Alan Greenspan demonstrou isso esta semana: ano depois de sair do cargo, sacudiu o mercado quando falou da possibilidade de recessão nos Estados Unidos.

Seu sucessor, Ben Bernanke, não convenceu quando disse o contrário. A dúvida ficou.

Esse tipo de mística não se transfere.

Guardadas as proporções, Afonso Bevilaqua tem a mística de ser, em si, o conservadorismo do Banco Central do primeiro mandato.

isso, a saída dele traz a seguinte dúvida: os juros passarão a cair mais rapidamente? Particularmente, acho que ficarão na mesma toada.

Sua saída dá uma satisfação quem vivia pedindo mudança no Banco Central, ainda nada mude de fato.

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