Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 31, 2007

A revolução do contêiner

A caixa que encolheu a Terra

Como o contêiner barateou o transporte
e revolucionou o comércio mundial


Giuliano Guandalini

Convencionou-se dizer que o avião, as telecomunicações e a internet viabilizaram a globalização ao derrubar fronteiras e encurtar distâncias. Do ponto de vista do comércio mundial, no entanto, nenhuma invenção teve mais impacto do que o contêiner – aquela grande caixa metálica com tamanho padronizado internacionalmente que pode transportar, por trens, navios e caminhões, produtos tão distintos como grãos de café e iPods. Os contêineres são uma espécie de herói esquecido da globalização, e não é difícil entender por quê. Há cinqüenta anos, encher um navio cargueiro com mercadorias levava até uma semana de trabalho ininterrupto. A tarefa exigia centenas de estivadores, que, sindicalizados, transformavam os portos em centros de roubalheira e ineficiência – ambiente retratado nas telas pelo clássico Sindicato de Ladrões (On the Waterfront), de 1954, do cineasta Elia Kazan. Graças aos contêineres, com dimensões padronizadas há quase quatro décadas, um trabalhador, operando uma grua computadorizada com seu joystick, faz o mesmo serviço num único dia sem a ajuda de estivadores. O impacto no comércio foi irreversível. O custo do frete caiu de 20% para 1% do valor final da mercadoria – uma queda de 95%. Os portos viram sua produtividade avançar rapidamente a partir de 1970 e ajudaram a deslanchar o comércio global – as exportações mundiais cresceram 500% de 1980 para cá.

O sucesso do contêiner só foi possível graças à padronização de suas dimensões. Para que isso ocorresse, países e empresas engalfinharam-se num conflito que se arrastou por toda a década de 60 do século passado. Havia certo consenso sobre a altura e a largura das caixas. Elas não poderiam ser tão amplas a ponto de não circular pelas rodovias e ferrovias nem tão altas a ponto de não passar por baixo de viadutos. O embate deu-se em torno do comprimento. Cada transportadora queria impor o seu. Nos Estados Unidos, as duas maiores empresas de transporte marítimo usavam caixas de comprimentos distintos, de 35 pés e de 24 pés, o que provocava o caos. "Se o tipo de contêiner usado por uma empresa de transportes não servisse nos navios ou trens de outras, cada companhia precisaria ter uma enorme frota para atender apenas os seus clientes", diz o economista americano Marc Levinson no livro The Box – How the Shipping Container Made the World Smaller and the World Economy Bigger (A Caixa – Como o Contêiner Tornou o Mundo Menor e Ampliou a Economia Mundial), lançado recentemente nos Estados Unidos. A falta de padronização impedia ainda que os contêineres feitos nos Estados Unidos pudessem ser usados na Europa, e vice-versa. O impasse só se dissolveu no fim da década de 60, quando a International Organization for Standardization (ISO), uma associação internacional que busca estabelecer padrões, definiu e publicou cinco dimensões básicas a ser seguidas – duas, a de 6,06 metros (20 pés) e a de 12,19 metros (40 pés), tornaram-se mais populares. Definidos os padrões, o contêiner, como uma linguagem simples e universal, passou a circular por todo o mundo.

Ninguém sabe o número ao certo, mas estima-se que existam hoje perto de 20 milhões dessas caixas metálicas em atividade. Enfileiradas, dariam quase três voltas em torno da Terra. Também é difícil precisar quem as inventou. Os primeiros contêineres foram utilizados em 1920 exclusivamente no transporte ferroviário. Mas a idéia de transportar a mesma caixa por diferentes meios de transporte só apareceu em 1956 – dois anos depois da estréia de Sindicato de Ladrões. O pai do atual modelo de logística de transporte de cargas foi o americano Malcom McLean, morto em 2001 aos 87 anos. McLean começou no ramo de transportes com um único caminhão e tornou-se dono de uma das maiores transportadoras dos Estados Unidos. Em 1937, enquanto aguardava a carga de seu caminhão ser lentamente retirada pelos estivadores, ele concluiu que a operação seria muito mais rápida se a carreta pudesse ser colocada diretamente sobre o navio. McLean trabalhou durante duas décadas para colocar sua idéia em prática. Em abril de 1956, o Ideal X, navio utilizado na II Guerra e adaptado por McLean para transportar carga, zarpou do Porto de Newark, em Nova Jersey, com destino ao Porto de Houston, no Texas, carregando 58 contêineres. Desde então, a caixa metálica se popularizou, e o transporte de mercadorias nunca mais foi o mesmo.

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