Há 3 anos, Aeronáutica tem advertido para os riscos da falta de investimento no controle aéreo do País
Lourival Sant'Anna
Não foi por falta de aviso. Desde 2004, a Aeronáutica vem advertindo para os riscos do desinvestimento no controle do tráfego aéreo. Ao apresentar suas propostas orçamentárias de 2004, 2005 e 2006, o Departamento de Controle de Espaço Aéreo (Decea) informou, por escrito, que a não-liberação integral dos recursos pedidos levaria à situação vivida agora no País. Mesmo assim, as verbas foram cortadas ano após ano pelo governo, em dois momentos: primeiro no Orçamento, depois na liberação efetiva do dinheiro.
As advertências do Decea foram feitas à Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, ao pedir verbas para 'operação, manutenção, desenvolvimento e modernização do Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro (Sisceab)'. São citadas em relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) obtido pelo Estado.
Ao solicitar R$ 715 milhões em 2004, o Decea explicou: 'Caso tais recursos não sejam alocados na plenitude, a continuidade dos empreendimentos iniciados no exercício de 2002 ficará prejudicada, com risco de não se corrigir a situação emergencial do Sisceab.' Ainda assim, o Orçamento previu verba de R$ 469 milhões e o montante efetivamente destinado naquele ano foi de R$ 441 milhões (incluindo restos a pagar de anos anteriores), segundo levantamento no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), feito pela ONG Contas Abertas, a pedido do Estado.
A situação se repetiu nos anos seguintes, e as advertências do Decea se tornaram mais dramáticas. 'A eventual insuficiência de recursos em 2005 certamente gerará efeitos danosos ao progressivo aperfeiçoamento dos meios e das atividades inerentes ao controle do espaço aéreo brasileiro, situação contrastante, inclusive, com as expressivas taxas de crescimento de tráfego aéreo no País', avisou, há dois anos. 'Sem dúvida, sensíveis prejuízos para o País serão gerados na ocorrência de retardos ou não execução de importantes projetos', continua o texto, citado pelo TCU. O Decea pediu R$ 667 milhões, o Orçamento destinou R$ 495 milhões e ficaram de fato disponíveis para o controle aéreo R$ 430 milhões.
Para o Orçamento de 2006, o Decea foi ainda mais incisivo, enumerando, profeticamente, as 'conseqüências do não-atendimento do pleito', segundo o TCU: 'atrasos e congestionamentos nos principais aeroportos do País'; 'maior tempo de espera entre pousos e decolagens de um mesmo aeroporto'; 'diminuição do grau de confiabilidade e oportunidade na prestação de informações aeronáuticas e meteorológicas às aeronaves domésticas e internacionais que cruzam o espaço aéreo brasileiro'. Pediu R$ 575 milhões, viu incluídos R$ 530 milhões no Orçamento, mas só pôde gastar R$ 267 milhões e pagar outros R$ 145 milhões de restos de outros anos.
Procurados pelo Estado, os Ministérios do Planejamento (que cuida do Orçamento) e da Fazenda (que libera o dinheiro) informaram que só lidam com recursos globais dos ministérios, aos quais cabe distribuir verbas entre departamentos e programas específicos. Diante dos contingenciamentos, os ministérios têm praticado cortes lineares em seus gastos.
Embora o cenário desenhado pelo Decea pareça o retrato fiel de hoje, a Aeronáutica garante que não há relação entre os cortes orçamentários e os problemas no controle aéreo. Os militares argumentam que, dos quatro Centros Integrados de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo do País, três foram recentemente modernizados - Brasília, São Paulo e Curitiba - e Recife será o próximo.
Mas, em nota do fim do ano passado, a Aeronáutica reconheceu, implicitamente, que contava com mais dinheiro: 'Para 2007, o Sisceab deverá ter sua dotação orçamentária significativamente aumentada, a fim de permitir investimentos necessários ao cumprimento do plano de expansão do sistema.' O Decea pediu R$ 611 milhões, o Orçamento prevê R$ 485 milhões e, até uma semana atrás, tinham sido aplicados R$ 6 milhões em operação e manutenção de equipamentos e R$ 73 milhões em restos a pagar. A rubrica 'desenvolvimento e modernização' recebeu, até então, R$ 10 mil.
Em depoimento ao Senado, em novembro, o brigadeiro Neimar Diegues, secretário de Economia e Finanças da Aeronáutica, admitiu que o sistema poderia absorver R$ 600 milhões por ano - quando tem sido gasta, desde 2001, média de R$ 400 milhões, incluindo os restos a pagar. Já que esse montante inclui toda a operação do sistema, como salários e manutenção, é plausível imaginar que a diferença de 50% atinja em cheio a capacidade de investimentos em equipamentos mais modernos e seguros. Como, aliás, advertiu o Decea, ano após ano.