O que é isso, Matilde?
"O projeto do governo Lula é forçar o Brasil
a renunciar ao orgulho da mestiçagem – fonte
de toda a nossa originalidade – para adotar
uma versão americanizada de país bicolor,
preto e branco"
O governo Lula acaba de brindar a sociedade com mais uma pérola inesperada: descobriu-se que a ministra da Igualdade Racial, que vem a ser a maior autoridade oficial em questões raciais, não sabe o que é racismo. Ou, dito de outro modo, tem uma visão exoticamente peculiar sobre racismo. Em entrevista à BBC, por ocasião dos 200 anos da proibição do tráfico negreiro pela Inglaterra, a ministra Matilde Ribeiro foi indagada se no Brasil, a exemplo do que acontece nos Estados Unidos, também havia racismo de negro contra branco. A ministra saiu-se com a declaração que há de lhe ficar encravada na biografia e merece ser reproduzida na íntegra: "Eu acho natural que tenha", começou a ministra, referindo-se ao racismo de negro contra branco no Brasil. "Mas não é na mesma dimensão que nos Estados Unidos. Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta direitos de outros. A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando a isso. Não acho que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou."
Então, para ficar claro: a ministra da Igualdade Racial disse que "não é racismo quando um negro se insurge contra um branco".
O mundo deveria ter desabado, mas nada aconteceu: a ministra continua solidamente no cargo. Pelo seu raciocínio, o racismo, esse crime inafiançável no Brasil mestiço e miscigenado, é uma discriminação de mão única. Se um negro hostiliza um branco não é uma coisa boa, mas é uma vingança compreensível pelo açoite de séculos – já branco hostilizando negro é racismo. Se um negro despreza um branco também não é uma coisa boa, mas ele estará expressando um repúdio natural a uma agressão histórica – e branco desprezando negro é racismo. Se um negro se insurge contra um branco é um desabafo compreensível, embora indesejável, diante da opressão. O contrário é racismo.
Em que categoria a ministra Matilde colocaria os descendentes daqueles negros que, uma vez livres, tornaram-se eles próprios donos de escravos igualmente negros? São negros contra os quais outros negros podem naturalmente se insurgir, embora isso não seja uma coisa boa? E em que categoria a ministra incluiria a imensa massa brasileira de pardos, filhos da miscigenação entre açoitados e açoitadores?
A visão da ministra Matilde sobre racismo é um descalabro monumental, mas, no fundo, dá para compreender. Porque tudo se integra perfeitamente no projeto racial do governo Lula. Com seus estatutos de igualdade racial escandalosamente discriminadores, com suas pesquisas raciais em escolas, com suas políticas de cotas raciais em universidades e no serviço público, o projeto do governo é forçar o Brasil a renunciar ao orgulho da mestiçagem – fonte de toda a nossa originalidade – para adotar uma versão americanizada de país bicolor, preto e branco.
Com todo o orgulho, claro.