O Brasil reduziu a pobreza, entre 2001 e 2005, numa velocidade três vezes mais rápida que aquela com que o país se comprometeu com o mundo; e tudo o que aconteceu foi um aumento de R$ 12 na renda do brasileiro extremamente pobre. É o que afirma o economista Ricardo Paes de Barros. Ele disse que o próximo passo não deve ser aumentar o benefício do Bolsa Família, mas usar o programa como canal para as políticas públicas chegarem ao mais pobre.
O Bolsa Família virou para o governo a redenção do pobre, a grande alavanca eleitoral; e é visto por amplas parcelas da opinião pública como uma política assistencialista e que tem errado muito. Conversei com o economista sobre esse e outros assuntos da questão social brasileira no programa “Espaço Aberto”, da Globonews, a propósito do livro que está para sair do forno do Ipea: “Desigualdade de Renda no Brasil: uma análise da queda recente”, organizado por Paes de Barros, Miguel Foguel e Gabriel Ulyssea. O livro terá dois volumes, porque tem textos e estudos de 43 especialistas. Só o primeiro está pronto; ele deve sair nas próximas semanas.
O que Paes de Barros diz ao analisar o tema tecnicamente desagrada a uma e a outra convicção na controvérsia sobre o programa social brasileiro. Primeiro, ele sustenta que a queda da desigualdade e da pobreza no Brasil recentemente tem a ver com vários fatores: a estabilização; o aumento do acesso educacional nas últimas décadas, que ele chama de “fantástico”; a interiorização da atividade econômica; o aumento do salário mínimo e também o programa Bolsa Família: — Se fosse só o Bolsa Família, seria uma má notícia, porque seria como comemorar o crescimento econômico baseado num aumento do preço da soja — comentou.
Portanto, o programa é um passo a mais dentro de mudanças estruturais que ocorreram no passado recente e que não são mérito de um governo apenas.
Por outro lado, Paes de Barros defende o programa da acusação de ser assistencialista: — A frase mais importante sobre isso foi dita pelo meu amigo José Márcio Camargo.
Ele lembrou que, quando o governo dá uma bolsa de mestrado e doutorado, ninguém acha que é assistencialismo; quando dá uma bolsa de estudo para uma criança pobre, vira assistencialismo e, na verdade, nada é mais correto do que uma bolsa para uma criança pobre.
Pode-se dizer que o Bolsa Família não é exatamente uma bolsa para uma criança pobre, que essa era a idéia original do Bolsa Escola.
Uma das críticas que se faz é à perda paulatina de importância de exigência da contrapartida. Contudo, de fato, a comparação é eloqüente em termos de reações diferenciadas da sociedade brasileira quando se fala das transferências do Estado.
Mas o Bolsa Família tem enfrentado outras críticas nos jornais, que se baseiam em reportagens sólidas mostrando que o dinheiro chega a quem não precisa, ou não chega a quem precisa.
— Esta pergunta é sempre feita: será que a gente está dando dinheiro para quem não é pobre? O índice de erro de focalização do Bolsa Família é de 15% a 17%. O programa latino-americano mais famoso, o Oportunidades, do México, que já elegeu e reelegeu muita gente, tem um índice de erro de 20% a 22%. O Famílias em Ação, da Colômbia, é antigo e pior que o nosso. Melhor que o do Brasil só o do Chile, que tem 20 anos. O cadastro único é um avanço extraordinário, porque hoje o Brasil sabe o nome e o endereço de 11 milhões de famílias extremamente pobres. Existe, nesse total, 1 milhão ou 1,5 milhão que não são extremamente pobres, mas o fato é que o cadastro é uma coisa viva, pessoas entram e saem, e ele tem que ser aperfeiçoado — diz Paes de Barros.
Ao mesmo tempo, ele afirma que o próximo passo não pode ser aumentar o benefício.
— O Bolsa Família tem que ser visto como uma estrada, como é no Chile, para que o governo, agora que sabe onde estão os mais pobres, empacotar os 150 programas sociais e mandar por este canal. É assim no Chile.
Mas quanto caiu a desigualdade? Há duas formas de ver.
— A desigualdade caiu 1,2% ao ano durante quatro anos, de 2001 a 2005. Parece aritmeticamente pequeno, mas é um resultado fantástico.
Com ele, a gente conseguiu reduzir a desigualdade ao menor número em 25 anos. Há cinco anos, estávamos na média que havia sido mantida durante três décadas.
No Plano Real, o percentual de pobres e extremamente pobres caiu de forma que o economista chama de “sensacional”, mas a desigualdade não caiu. Mantida a estabilidade e entrando o efeito de outras políticas, a renda do pobre passou a melhorar mais rapidamente e a desigualdade tem caído.
Mas, em termos nominais, acrescentou-se pouco à renda do extremamente pobre.
— Apenas R$ 12. Parece pouco, mas é um acréscimo de 25% na renda.
Essa queda da desigualdade e da pobreza não tira o Brasil dos 10% mais desiguais do mundo, mas o ritmo de melhora é um dos maiores do mundo: — O Banco Mundial e o Banco Asiático de Desenvolvimento estão estudando o caso brasileiro, como o Brasil está reduzindo tão rapidamente a desigualdade.
O fato fascinante é que o que está acontecendo nos coloca na liderança desse processo.
Mas será que é esta a renda brasileira? Será que a renda brasileira está bem medida? É a grande e inquietante questão que sempre assombra os estudos de pobreza e desigualdade. No livro, eles estudam esse ponto.
Eu vou tratar dele amanhã.
Não coube nesta coluna.
O tema é vasto quanto a nossa desigualdade.
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