Artigo |
O Estado de S. Paulo |
27/3/2007 |
A água é fundamental à vida. E o acesso à água potável constitui um requisito da democracia contemporânea. Tais conceitos, valiosos, foram cultuados na passagem, semana passada, do Dia Mundial da Água. Demorou. Mas, finalmente, a sociedade parece descobrir que preservar os recursos hídricos carrega o passaporte para o futuro. Relatório recente da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) indica que a escassez de água atinge 1,2 bilhão de pessoas em todo o mundo. Outros 500 milhões se encontram ameaçados no curto prazo. O Brasil apresenta elevada disponibilidade de água doce. A vazão média dos rios nacionais atinge 180 mil metros cúbicos por segundo, cerca de 12% do mundo.Mas há um problema: 74% desses recursos hídricos estão na Bacia do Amazonas. Nas regiões mais povoadas e industrializadas, a falta d’água começa a preocupar. O dilema da escassez já atinge certas bacias hidrográficas, como a do Piracicaba-Jundiaí e a do Paraíba do Sul, para não falar do Alto Tietê, que rega a metrópole paulistana.A fartura da natureza fez as pessoas, talvez, imaginarem que a água seria um bem infinito. Vã ilusão. Pelo País afora, o desmatamento e a erosão dos solos provocou o assoreamento dos rios e reservatórios. A poluição urbana, industrial e doméstica destruiu sua qualidade. Quanta judiação. A cor cristalina dos córregos submergiu na fétida nódoa da civilização.Guarapiranga é um espelho da tragédia ambiental que acomete as metrópoles brasileiras. Há décadas essa região paulistana de valiosos mananciais se degrada com a ocupação humana desenfreada. Seguindo o triste caminho da Represa Billings, a poluição turva as suas águas. Azar da natureza. Omissão do Estado. Agora, juntos, governo do Estado e Prefeitura afinam a viola para enfrentar o desafio da recuperação dos mananciais metropolitanos. Não será fácil. Há 40 anos o homem destrói os recursos hídricos da região. Chegou, porém, a hora de reagir, invertendo a equação histórica. Moradia digna precisa casar com ecologia.Na agenda da proteção dos recursos hídricos, País afora, cabe tarefa a todos. A começar da medida básica: o combate ao desperdício. A receita contra o consumo perdulário de água contém educação, boa consciência e uma pitada de repressão. É impossível que as calçadas continuem a ser lavadas livremente, como se fosse normal derriçar água fora. Atenção, senhoras donas de casa: uma mangueira aberta gasta 280 litros em apenas 15 minutos de “varrição”. No passado, podia ser suportável. Hoje, é inadmissível.Grande contribuição deve vir da construção civil. O reúso da água em condomínios e plantas industriais ainda engatinha. A captação das chuvas nas residências parece poesia de ecologista. Válvulas hidráulicas, com pressão sempre desregulada, tornam as descargas sanitárias uma afronta à natureza. Chuveiros elétricos são verdadeiros criminosos ambientais.Durante o triste apagão elétrico de 2001, quando a economia de água significava enfrentar a escuridão, descobriu-se que as pessoas são sensíveis ao chamamento da responsabilidade. Houve resposta ao apelo governamental. Nada melhor que a conscientização popular. Reduzir o desperdício de água é fundamental. Mas, na ponta inversa da equação, onde nasce a água, mora outro grande perigo. Há também que proteger a “fábrica de água”. Senão, um dia, a mina seca.O trabalho deve começar pela recuperação das matas ciliares, formando um cordão verde ao longo dos riachos. A lei exige 30 metros de largura. Nas nascentes, o aro vegetado é de 50 metros. Quanto erro se cometeu no passado, desmatando a esmo, deixando peladas as beiras dos córregos. Inadvertidamente, procurando terra fértil, agricultores cultivaram até próximo da linha d’água. Vieram as enchentes, criando enormes barrancos.Ensina a economia que a escassez define o preço de um bem. É inevitável, e desejável, a cobrança pelo uso da água. A economia ajuda a ecologia. Dar preço ao consumo vai melhorar a gestão dos recursos hídricos. Afinal, ninguém valoriza aquilo que nada vale. Quando dói no bolso, muda o negócio.Quem pagaria pela cobrança da água? Os tomadores do precioso líquido: empresas de saneamento, indústrias e irrigantes. Hoje, no abastecimento humano se paga, apenas, pelo serviço de tratamento da água. Na irrigação, atividade gastadora de água, sistemas modernos de gotejamento devem substituir os perdulários aspersores.A taxa pelo uso da água, assim diz a legislação, deve ser revertida na proteção hídrica da própria bacia hidrográfica. O dinheiro arrecadado não engorda o caixa do governo, mas, sim, fica no local. Isso é bom.Cresce a proposta de se utilizar parte dos recursos da cobrança na remuneração dos “produtores de água”. Surge novo conceito, que abarca os proprietários rurais conservacionistas, aqueles que preservam a natureza e protegem os mananciais em seu território. O tema é fundamental.Trata-se de uma recompensa aos agricultores que, abdicando do uso intensivo da terra, prestam relevante serviço ambiental à sociedade. Parece utopia. Mas tal sistema funciona na cidade de Nova York. Lá, bebe-se água limpa sem tratamento químico. Os gringos pagam pela proteção das nascentes. E sai muito mais barato.O pagamento por serviços ambientais empresta sinal positivo à política ambiental. O meio ambiente é conhecido por sempre dizer não. Dar vantagem econômica aos conservacionistas, porém, significa um belo sim. Um prêmio aos amigos da água.
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Entrevista:O Estado inteligente
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