A decisão do TSE de que o mandato
é do partido aprimora a democracia
Ricardo Brito
Fotos André Dusek/AE | |
Arlindo Chinaglia (à esq.) e a deputada Jusmari Oliveira: incentivo à balbúrdia partidária |
A deputada baiana Jusmari Oliveira está em seu primeiro mandato. Empossada há dois meses, ela ainda não apresentou um único projeto de lei, mas foi festejada na semana passada como a 37ª parlamentar a trocar de partido na atual legislatura. Jusmari deixou o partido dos Democratas (ex-PFL), pelo qual se elegeu, e assinou a ficha de filiação do Partido da República (ex-PL). A deputada pode ser a última infiel da história do Parlamento brasileiro. O Tribunal Superior Eleitoral, respondendo a uma consulta, decidiu na última terça-feira que o mandato de deputados federais, estaduais e vereadores pertence aos partidos, e não aos políticos. A prevalecer esse entendimento, os parlamentares não poderão mais trocar de legenda depois de eleitos – prática mais que comum observada nas últimas legislaturas do Congresso. A proibição marcaria o fim de um dos costumes mais degradantes da política brasileira, que tem servido apenas para alimentar o fisiologismo, desmoralizar o Parlamento e fragilizar o sistema político.
A exigência da fidelidade partidária é discutida há duas décadas, mas nunca houve disposição para implantá-la. Por uma razão simples: ela não interessa à maioria dos políticos. Sem a regra, parlamentares podem migrar à vontade da oposição para a situação, ou vice-versa, dependendo da conveniência do momento. Dos 37 deputados que mudaram de partido recentemente, 23 foram procurar abrigo em legendas comandadas pelo governo. "Não há como negar que, na base do governo, meus pleitos podem ser atendidos", explica a noviça republicana Jusmari Oliveira. Nas democracias tradicionais, a fidelidade partidária nem sequer é regulamentada por lei. Mudar de partido é algo incomum e danoso para a carreira de um político. É quase sinônimo de suicídio. No Brasil, não. Apenas na legislatura passada, 193 deputados migraram de uma legenda para outra sem maiores conseqüências. Existem casos espantosos como o de um deputado que mudou de partido nada menos que oito vezes. Para a grande maioria, a exemplo da deputada Jusmari, a infidelidade é questão de sobrevivência.
Estar alinhado com o poderoso do momento significa possibilidade de acesso a poder e dinheiro, através de cargos e emendas. Por isso, é comum as mudanças ocorrerem logo depois da eleição do presidente da República – e sempre em direção ao grupo dominante. A decisão do TSE ainda não é definitiva, mas é uma sinalização importante em direção à moralização do Parlamento. Em tese, os deputados que mudaram de legenda seriam obrigados a retornar ao antigo partido ou teriam o mandato cassado. O presidente da Câmara, o petista Arlindo Chinaglia, que poderia decretar a perda de mandato dos infiéis, já rechaçou a possibilidade de mudanças. Segundo ele, a decisão do tribunal não tem aplicação imediata. Os partidos prejudicados, por sua vez, já anunciaram que irão ao Supremo Tribunal Federal pedir a cassação dos infiéis e a posse dos respectivos suplentes. "Será uma longa batalha judicial", disse Chinaglia, tranqüilizando os traidores ameaçados. Para anular os prováveis efeitos da interpretação do TSE, a turma do troca-troca já articula a votação de uma emenda constitucional que regulamenta a fidelidade partidária. A idéia em discussão é obrigar os parlamentares – valendo apenas para os eleitos a partir de 2010 – a permanecer no partido no mínimo por três anos. No último ano de mandato, eles poderiam trair uma vezinha só. Afinal, ninguém é de ferro. Muitos são até caras-de-pau.