DORA KRAMER, dora.kramer@grupoestado.com.br
Duas decisões tomadas nesta semana pelo Poder Judiciário - a definição dos partidos como titulares dos mandatos parlamentares e a autorização preliminar para a instalação da CPI da crise aérea - provocaram reclamações e acusações de que a Justiça exorbita e interfere em assuntos estranhos à sua alçada.
Há informações sobre tentativas de aprovação de leis a toque de caixa para anular ao menos uma daquelas decisões (a relativa aos partidos), mas não se tem notícia de manifestações de autocrítica, como seria natural se os Poderes Executivo e Legislativo estivessem menos defensivos e mais atentos ao que andam deixando de fazer.
Se em algum momento desses últimos 12 anos, durante os quais vêm tramitando propostas de reforma política, o Congresso tivesse se dedicado com seriedade e vontade ao assunto, a questão da fidelidade partidária estaria resolvida.
Para o bem ou para o mal. Poderia até haver uma regra liberando vale-tudo, dando passe livre ao trânsito entre legendas, mas não haveria espaço para polêmicas nem alegações de insegurança jurídica. O Judiciário não seria chamado a pôr as coisas no lugar porque elas estariam onde deveriam estar.
Se em algum momento desses últimos seis meses, durante os quais viajar de avião virou prova de resistência física e mental, o Poder Executivo tivesse feito algo além de bater cabeça às tontas, ora negando a crise do setor aéreo, ora simulando providências inócuas, ora apresentando desculpas esfarrapadas, ora fazendo bravatas enérgicas na forma e vazias no conteúdo, não haveria espaço para propostas de CPI.
O líder do governo na Câmara, deputado José Múcio Monteiro, outro dia recorreu à comparação com o governo anterior para alegar que na época do apagão elétrico não houve investigação parlamentar e, portanto, agora também não deveria haver.
Talvez porque fosse situação, o deputado não lembra que a oposição exerceu o direito e o dever de criticar a incúria do governo Fernando Henrique Cardoso, mas não teve como propor CPI porque de imediato foi criado um núcleo de gestão da crise, comandado pelo ministro Pedro Parente, que estabeleceu entre outras providências um racionamento de energia.
O erro estrutural não foi resolvido, mas a situação foi administrada e ficou sob controle, sobretudo porque a população, diante da dificuldade, aderiu.
Ficou “por aqui” com o governo, deixou isso muito claro na eleição no ano seguinte, mas não foi deixada à matroca, sem explicações, sendo levada na conversa como tentou até agora o presidente Luiz Inácio da Silva, antes do beco de uma saída só (a providência objetiva) imposta pela greve declarada dos controladores de vôo.
Essas duas não são as únicas situações de vácuo de responsabilidades de dois dos três Poderes da República. São apenas as mais recentes e mais eloqüentes demonstrações de que a displicência abre espaço. E, no vazio, prevalece quem não se furta a estabelecer a própria competência.
Atos distintos
Leitores inconformados com a crítica à declaração da ministra Matilde Ribeiro - “é natural um negro não gostar de conviver com um branco” - lançam mão da ação de vândalos contra estudantes africanos na Universidade de Brasília, para cobrar recuo de razão à ministra.
Confundem - talvez propositadamente por falta de argumentos para defender a contento Matilde Ribeiro - atos distintos, ambos lamentáveis, racistas e cada qual com seu grau de gravidade específica.
O cargo ocupado pela ministra da Igualdade Racial a obriga a disseminar o raciocínio da igualdade, não o contrário. Este o motivo da crítica.
O caso dos estudantes é de polícia e de Justiça. O crime é previsto na Constituição, inafiançável e não pode servir como “prova” de que seres de etnias distintas sejam donos, por uma questão de correlação de força social, do direito intrínseco de discriminar.
Greve da PF
Mais que o acordo salarial firmado com o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o que a Polícia Federal cobra agora é a conta do esteio moral conferido por suas operações - incluídas aí as nem tão “republicanas” assim - à posição do governo na reação aos escândalos de corrupção.
Os policiais acham que fizeram a sua parte e acham que quem parte e reparte as verbas federais quer ficar só com a melhor parte, o bônus do “nunca antes neste País se combateu tanto a corrupção”, sem assumir o ônus de fazer frente ao aumento combinado.
Conjunto da obra
Sobre o rabino Henry Sobel, sua contribuição ao Brasil, à democracia, à liberdade, aos direitos humanos, à paz e à concórdia faz dele um homem merecedor de apreço, solidariedade e compreensão.
No balanço de erros e acertos, Henry Sobel se fez credor nas vicissitudes das quais a vida não livra ninguém.