Diante da recente reforma ministerial e da luta por cargos no governo, valeria indagar se seria o caso de utilizar uma empresa de recrutamento de pessoal para a escolha dos titulares do segundo escalão. Por exemplo, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda seria por ela selecionado de forma aberta e por mérito.
É assim que age o governo britânico, como anunciado na The Economist (10/3/2007). Uma empresa privada ajudará a escolher o diretor do Departamento de Política Macroeconômica e Fiscal do Ministério da Fazenda. O escolhido será também o economista-chefe do governo, coordenando o trabalho de mais de mil economistas em cerca de 30 departamentos e agências governamentais.
No Brasil, o Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), surgido nos anos 1930, foi uma tentativa de criar uma burocracia estável e competente. Infelizmente, décadas e reformas depois, continuamos escolhendo assessores e dirigentes por critérios políticos. Na União, mais de 20 mil cargos podem ser preenchidos assim.
No governo Lula, a situação piorou. O critério de competência nem sempre foi o mais relevante. Nos escândalos como os do mensalão e do dossiê contra tucanos nas últimas eleições, vimos que entre os envolvidos estavam detentores de cargos públicos designados mais pela militância do que por mérito.
Na escolha dos novos ministros de Lula, apareceu uma expressão típica dos negócios agropecuários. Teria prevalecido o critério de 'porteira fechada', isto é, os cargos na sua pasta lhes pertencem. Poderão indicar amigos e correligionários sem ater-se à competência. O Planalto nega, mas se for outro o critério a situação dificilmente mudará.
No serviço público britânico, o primeiro-ministro pode nomear pouco mais de cem pessoas, incluindo ministros. O restante é escolhido exclusivamente por mérito e em muitos casos com a utilização de empresas especializadas. Essa tradição foi iniciada no primeiro dos quatro períodos em que William Gladstone exerceu o cargo de primeiro-ministro (1868-1874).
Gladstone é tido como o maior político britânico do século 19. A ele se credita a criação de uma burocracia que passou a funcionar sem a influência de grupos de interesse, particularmente os das classes mais altas. A base foi um relatório de 1854, cujo principal autor, sir Charles Trevelyan, ficara famoso como investigador de casos de corrupção na Índia, onde servira por 14 anos. A idéia era evitar a repetição no Reino Unido.
O relatório defendia a instituição de uma burocracia permanente e recomendava a eliminação das indicações políticas na escolha de servidores. Haveria critérios distintos para selecionar funcionários para tarefas rotineiras e para as de maior responsabilidade. Neste último caso, a escolha deveria levar em conta basicamente os dotes intelectuais em geral e não conhecimentos específicos.
A burocracia britânica inspirou serviços semelhantes em outros países e seu legado ajudou no desenvolvimento de ex-colônias, como Cingapura e Hong Kong. Atualmente, a escolha de dirigentes recrutados fora do serviço público tem a participação dos civil service comissioners, designados pela Coroa (não são funcionários nem subordinados a ministros).
Caso o leitor se interesse em conhecer os princípios e as regras para a escolha de dirigentes públicos no Reino Unido, poderá acessar o site (http://www.civilservicecommissioners.gov.uk), clicando depois em publications e Civil Service Comissioner's Recruitment Code.
Estamos longe do desenvolvimento dos britânicos no recrutamento e seleção de servidores, mas poderíamos começar a tentar. Uma idéia seria estabelecer a escolha de dirigentes entre funcionários de carreira. Ainda que isso representasse uma reserva de mercado, seria melhor do que a situação atual. Mais tarde, se pensaria em escolhê-los pelo mesmo método adotado pelas empresas privadas para selecionar seus executivos. Não custa nada sonhar.
*Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendencias.com.br