Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 31, 2007

Aviação Agora parou de vez

Parou de vez

No pior episódio de indisciplina militar desde 1963,
greve de controladores fecha todos os aeroportos
do país. Não há dia nem hora para a crise terminar


Fábio Portela

Leopoldo Silva/Folha Imagem
Aeroporto de Brasília, na sexta-feira negra: e o governo só sabe fazer reunião


Na mais óbvia evolução da incompetência com que o governo enfrenta o problema, o caos aéreo atingiu seu ápice na noite de sexta-feira passada. Às 21 horas, os 49 aeroportos comerciais do país estavam fechados para decolagens. Em um movimento coordenado, a maioria dos 2.500 controladores aéreos simplesmente cruzou os braços. Dezoito deles receberam voz de prisão do comandante da Aeronáutica e 200 permaneciam amotinados na sede do Cindacta I (Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo), em Brasília, epicentro do maior vexame de gestão da história recente da administração federal brasileira. Quase 190.000 passageiros foram prejudicados pela paralisação.

A intenção dos controladores em greve – paralisar o espaço aéreo brasileiro – já podia ser antecipada em um manifesto divulgado pelo sindicato da categoria pela manhã. Às 17 horas, os controladores começaram a espaçar propositalmente os vôos. Às 18h40, todas as decolagens foram suspensas. Os controladores avisaram que iriam monitorar apenas os vôos que já estavam no ar. O Cindacta I controla os vôos nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás, Espírito Santo, São Paulo, sul do Tocantins e parte do sul de Mato Grosso, além do Distrito Federal. A paralisação dos controladores demorou poucos minutos para se espalhar por todos os aeroportos do país. Milhares de passageiros – como se tornou rotina nos últimos meses – enfrentaram filas e esperas intermináveis nos saguões, nas salas de embarque e dentro de aeronaves que esperavam autorização para decolar. A diferença é que, desta vez, os controladores nem tentaram disfarçar. Disseram, alto e bom som, que estavam em greve. Isso levou o comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, a ir pessoalmente ao Cindacta I dar voz de prisão a dezoito controladores grevistas, que são militares. Como reza a cartilha dos quartéis, o pessoal da farda é proibido de se envolver em movimentos grevistas. A desobediência dos controladores, que, até o fechamento desta edição, prosseguia sem controle, transformou a paralisação na maior rebelião da Aeronáutica desde 1963, quando sargentos dessa força tomaram a Rádio Nacional, cortaram as ligações telefônicas de Brasília e detiveram oficiais e um ministro do Supremo Tribunal Federal.

Com a operação-padrão que estava em andamento nos últimos meses, calculava-se em 5 milhões de reais o prejuízo das empresas com hora extra, alimentação e alojamento de funcionários. Agora que os aeroportos deixaram de funcionar de vez, essas perdas podem chegar a, no mínimo, 35 milhões de reais por dia. O valor se refere apenas à venda de passagens e não inclui o prejuízo dos passageiros e das empresas que utilizam o transporte aéreo de carga. Para se ter uma idéia do estrago causado por essa greve nos negócios, basta lembrar que 79% dos passageiros das companhias aéreas nacionais viajam a negócios.

Mas o que querem os controladores? Simples: forçar o governo a ceder às suas exigências – basicamente, desmilitarizar a carreira e aumentar seus salários. Depois do acidente entre o avião da Gol e o Legacy, em setembro, instalou-se no país a discussão sobre o que seria melhor: ter militares ou servidores civis nas torres de comando dos aeroportos. Hoje, há controladores dos dois tipos, que ganham salários diferentes e obedecem a regras antagônicas. O governo sinalizou que pretende uniformizar a situação, mas não disse que caminho seguirá. A falta de pulso do ministro Waldir Pires ante o caos aéreo deu a senha para que os controladores aproveitassem o vácuo de autoridade para deitar e rolar. No meio da noite, por exemplo, o grupo de controladores amotinados no Cindata I resolveu exigir a presença da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, no local – exatamente como fazem presidiários rebelados que tomam reféns e condicionam a negociação à presença de autoridades. Mas o refém, nesse caso, é o país inteiro.

Diante da crise, o governo pôde revelar mais uma vez toda a sua incompetência. Na noite de sexta-feira, montou às pressas seu gabinete de crise: reuniram-se no Palácio do Planalto o novo titular da pasta de Comunicação, Franklin Martins, o chefe-de-gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, e o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Como era de esperar, apenas bateram cabeça. O único ministro que interessava nesse caso, Waldir Pires, estava no Rio, de onde tentava se informar sobre a crise. Por ironia, Lula ficou sabendo do caos aéreo no país enquanto voava para Washington. Do Aerolula, único avião brasileiro que decola e pousa no horário, deu a sua solução: "É preciso que a Aeronáutica converse com os controladores". Não, não é piada. Os passageiros, enquanto isso, continuavam na mesma situação que as negociações: não conseguiam sair do lugar.

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