No pior episódio de indisciplina militar desde 1963,
greve de controladores fecha todos os aeroportos
do país. Não há dia nem hora para a crise terminar
Fábio Portela
Leopoldo Silva/Folha Imagem |
Aeroporto de Brasília, na sexta-feira negra: e o governo só sabe fazer reunião |
Na mais óbvia evolução da incompetência com que o governo enfrenta o problema, o caos aéreo atingiu seu ápice na noite de sexta-feira passada. Às 21 horas, os 49 aeroportos comerciais do país estavam fechados para decolagens. Em um movimento coordenado, a maioria dos 2.500 controladores aéreos simplesmente cruzou os braços. Dezoito deles receberam voz de prisão do comandante da Aeronáutica e 200 permaneciam amotinados na sede do Cindacta I (Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo), em Brasília, epicentro do maior vexame de gestão da história recente da administração federal brasileira. Quase 190.000 passageiros foram prejudicados pela paralisação.
A intenção dos controladores em greve – paralisar o espaço aéreo brasileiro – já podia ser antecipada em um manifesto divulgado pelo sindicato da categoria pela manhã. Às 17 horas, os controladores começaram a espaçar propositalmente os vôos. Às 18h40, todas as decolagens foram suspensas. Os controladores avisaram que iriam monitorar apenas os vôos que já estavam no ar. O Cindacta I controla os vôos nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás, Espírito Santo, São Paulo, sul do Tocantins e parte do sul de Mato Grosso, além do Distrito Federal. A paralisação dos controladores demorou poucos minutos para se espalhar por todos os aeroportos do país. Milhares de passageiros – como se tornou rotina nos últimos meses – enfrentaram filas e esperas intermináveis nos saguões, nas salas de embarque e dentro de aeronaves que esperavam autorização para decolar. A diferença é que, desta vez, os controladores nem tentaram disfarçar. Disseram, alto e bom som, que estavam em greve. Isso levou o comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, a ir pessoalmente ao Cindacta I dar voz de prisão a dezoito controladores grevistas, que são militares. Como reza a cartilha dos quartéis, o pessoal da farda é proibido de se envolver em movimentos grevistas. A desobediência dos controladores, que, até o fechamento desta edição, prosseguia sem controle, transformou a paralisação na maior rebelião da Aeronáutica desde 1963, quando sargentos dessa força tomaram a Rádio Nacional, cortaram as ligações telefônicas de Brasília e detiveram oficiais e um ministro do Supremo Tribunal Federal.
Com a operação-padrão que estava em andamento nos últimos meses, calculava-se em 5 milhões de reais o prejuízo das empresas com hora extra, alimentação e alojamento de funcionários. Agora que os aeroportos deixaram de funcionar de vez, essas perdas podem chegar a, no mínimo, 35 milhões de reais por dia. O valor se refere apenas à venda de passagens e não inclui o prejuízo dos passageiros e das empresas que utilizam o transporte aéreo de carga. Para se ter uma idéia do estrago causado por essa greve nos negócios, basta lembrar que 79% dos passageiros das companhias aéreas nacionais viajam a negócios.
Mas o que querem os controladores? Simples: forçar o governo a ceder às suas exigências – basicamente, desmilitarizar a carreira e aumentar seus salários. Depois do acidente entre o avião da Gol e o Legacy, em setembro, instalou-se no país a discussão sobre o que seria melhor: ter militares ou servidores civis nas torres de comando dos aeroportos. Hoje, há controladores dos dois tipos, que ganham salários diferentes e obedecem a regras antagônicas. O governo sinalizou que pretende uniformizar a situação, mas não disse que caminho seguirá. A falta de pulso do ministro Waldir Pires ante o caos aéreo deu a senha para que os controladores aproveitassem o vácuo de autoridade para deitar e rolar. No meio da noite, por exemplo, o grupo de controladores amotinados no Cindata I resolveu exigir a presença da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, no local – exatamente como fazem presidiários rebelados que tomam reféns e condicionam a negociação à presença de autoridades. Mas o refém, nesse caso, é o país inteiro.
Diante da crise, o governo pôde revelar mais uma vez toda a sua incompetência. Na noite de sexta-feira, montou às pressas seu gabinete de crise: reuniram-se no Palácio do Planalto o novo titular da pasta de Comunicação, Franklin Martins, o chefe-de-gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, e o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Como era de esperar, apenas bateram cabeça. O único ministro que interessava nesse caso, Waldir Pires, estava no Rio, de onde tentava se informar sobre a crise. Por ironia, Lula ficou sabendo do caos aéreo no país enquanto voava para Washington. Do Aerolula, único avião brasileiro que decola e pousa no horário, deu a sua solução: "É preciso que a Aeronáutica converse com os controladores". Não, não é piada. Os passageiros, enquanto isso, continuavam na mesma situação que as negociações: não conseguiam sair do lugar.