Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 31, 2007

Apagão aéreo: Lula entrega tudo o que os controladores pedem, quebra a hierarquia militar e leva a sindicalização para as Forças Armadas

Apagão aéreo: Lula entrega tudo o que os controladores pedem, quebra a hierarquia militar e leva a sindicalização para as Forças Armadas

Na véspera do 43º aniversário do golpe militar de 1964, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ter contornado um apagão aéreo e dado início a um curto-circuito institucional. Depois de seis meses de desordem, sem que o governo tivesse produzido ao menos um diagnóstico da crise, Lula cedeu à chantagem dos controladores, aceitando todas as suas reivindicações, quebrou a disciplina na Aeronáutica e levou a sindicalização para o seio das Forças Armadas, uma das causas daquele movimento de que se fala na primeira linha. É claro que não há risco de golpe militar. O risco, a partir de agora, é o da bagunça permanente. A rapaziada viu que é fácil.

- Os controladores querem uma gratificação imediata. Lula disse “sim”;
- Os controladores querem um plano de carreira. Lula disse “sim”;
- Os controladores querem a suspensão de toda e qualquer punição. Lula disse “sim”;
- Os controladores querem o cancelamento da transferência de colegas. Lula disse “sim”;
- Os controladores querem o que chamam de interlocução permanente. Lula disse “sim”:
- Os controladores querem a progressiva desmilitarização do tráfego aéreo. Lula disse “sim”.

Ao dizer tantos “sins”, o Apedeuta tirou a autoridade do comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, recém-empossado, e perdeu a sua própria. Informa o Estadão deste sábado: “A decisão de abrir negociação com a categoria e barrar a prisão de 18 sargentos insubordinados foi tomada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que voava para Washington. À noite, assim que chegou à capital dos Estados Unidos, onde irá se encontrar com o presidente George W. Bush, Lula telefonou para o vice-presidente, José Alencar, e para e os ministros da Defesa, Waldir Pires, e do Planejamento, Paulo Bernardo. Recomendou que fizessem de tudo para reverter a crise provocada pela paralisação dos controladores de vôo e os lembrou de que o funcionamento do setor aéreo é ‘uma questão de segurança nacional’.”

Lula é mesmo um prodígio. Percebam que esta é, a rigor, a primeira crise séria do seu governo que não foi causada por uma acusação de corrupção. Todas as outras tinham petistas metidos em lambança e, a rigor, eram casos tanto de política como de polícia. Desta feita, um movimento reivindicatório assume contornos que flertam com uma crise institucional. Há seis meses, a patética figura do ministro Waldir Pires, da Defesa, perambula pelos corredores de Brasília produzindo explicações e nenhuma solução. Ele foi o primeiro, é bom lembrar, a tocar no delicado assunto da “desmilitarização” do setor e a defender que se ouvissem as “lideranças”.

Sou contra a desmilitarização em meio a essa balbúrdia e já disse por quê: os céus do Brasil serão entregues à CUT — que vive a sua fase pelega porque o governo do PT. E depois? Todos sabem qual é a resposta. Muito bem. Mesmo sem a passagem do setor para os civis, o movimento dos controladores assumiu características de movimento sindical, sem perder, no entanto, a sua fachada também militar. Os sargentos se auto-aquartelaram, e suas lideranças divulgaram um manifesto em que diziam não confiar mais em seus superiores.

O nome disso é indisciplina, e se resolve com cadeia. “O que está ocorrendo é o modelo típico de 63: meia dúzia de sindicalistas radicais insuflando a tropa”, disse ao Estadão deste sábado o tenente-brigadeiro da reserva Sérgio Ferolla, ex-presidente do Superior Tribunal Militar. Naquele ano, os sargentos tomaram a Rádio Nacional, cortaram as ligações telefônicas de Brasília com o País e prenderam oficiais e um ministro do Supremo Tribunal Federal. O movimento foi reprimido pelo Exército, que prendeu 600 sargentos. Ainda no Estadão: “Outro oficial lembrou que não se pode dar aumento diferenciado aos controladores. ‘Do contrário, daqui a pouco o mecânico do radar também vai querer’. Para ele, as Forças Armadas passam por uma crise. ‘A insatisfação é grande. Praça e oficial ganham pouco e vivemos uma fuga de quadros experientes para outras carreiras’.”

Despreocupados
E como o governo estava preparado para enfrentar um dos mais graves incidentes militares em mais de quatro décadas? O Estadão narra direitinho: “O mais sério desafio dos últimos meses, na vida do País — que, embora tenha durado menos de cinco horas, foi encarado como uma grave insurreição de militares — pegou a cúpula do governo inteiramente desmobilizada. Antes que o ministro Paulo Bernardo conseguisse o compromisso, já no final da noite, não havia no Distrito Federal uma única autoridade de primeiro escalão. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava a caminho de Washington, e o vice, José Alencar, em Belo Horizonte. O ministro da Defesa, Waldir Pires, havia saído no meio da tarde para o Rio e estava no início da noite paralisado em um aeroporto enquanto o movimento grevista se espalhava pelos Estados. Também estavam fora de Brasília o ministro da Justiça, Tarso Genro e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, além dos ministros Paulo Bernardo, do Planejamento, e Walfrido dos Mares Guia, das Relações Institucionais. Nem com os diretores da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) se podia contar: eles também tinham viajado e não conseguiram voltar.”

Eis aí. Depois de seis longos e penosos meses de crise, mesmo com o anúncio da mobilização dos controladores em todo o país, não havia uma miserável autoridade de primeiro escalão em Brasília. Só não digo que o governo teve o que mereceu porque os maiores prejudicados foram os passageiros e porque, sob nenhuma hipótese, aceito rebelião militar — como sabem, sou contra o direito de greve para funcionalismo público, em qualquer função. Tanto menos acho aceitável desordem promovida por militares.

Volto à questão da crise. Depois de muito gogó e caos nos aeroportos, nenhuma solução no horizonte. Até que os controladores decidiram: “Ninguém voa mais; quem está no céu desce, mas quem está no chão não sobe”. E então o nosso sindicalista, aquele gênio saído do povo, aquele demiurgo que tanto se jacta de ser um exímio negociador, teve uma idéia brilhante: “E se a gente aceitar tudo o que eles estão pedindo?” Algum áulico deve ter respondido: “Boa idéia, presidente!” E assim foi feito. Imaginem este senhor enfrentando uma daquelas crises financeiras que costumavam varrer o mundo de tempos em tempos na década passada. Convenham: com Lula, não é preciso que ninguém especule contra o Brasil. Ele sozinho já é um adversário e tanto. Não há mal que outros possam nos fazer de que o governo do PT não se ocupe primeiro.

Daqui a alguns anos (vejam o meu otimismo), olharemos para estes dias com olhos bem mais severos. Entendo por que os petistas deploram tanto a área econômica do governo. Não que possa estar imune a críticas. Ocorre que elas sempre são feitas por razões viciosas. Eliminem a gestão macroeconômica, que ao menos consegue ser convencional e manter a estabilidade, e vejam o que sobra: um histórico melancólico de aviltamento das instituições, de retrocesso, de que o aparelhamento vergonhoso do Estado é a face mais visível. O que faltava a Lula? Uma crise militar. Já não falta. Os anões do jornalismo áulico adoram atacar as privatizações havidas no governo FHC. Pensem, por exemplo, na importância que a economia da informação assumiu nestes dias e agora imaginem a ex-gigante Telebras loteada pela companheirada. Estaríamos nos comunicando por meio de tambor e sinais de fumaça.

Os controladores fizeram chantagem, quebraram a hierarquia, insuflaram a indisciplina e levaram o que queriam. Sob o patrocínio de Lula e seus valentes. Não se enganem: o sindicato entrou nas Forças Armadas.

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