Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 31, 2007

Dentro do cofre do PCC


VEJA teve acesso às informações da maior
quebra de sigilo bancário da história do país:
as 389 contas da quadrilha do terror


Diego Escosteguy

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Exclusivo on-line
Em Profundidade: Crime Organizado

O Primeiro Comando da Capital, a maior e mais poderosa organização criminosa do país, que atende pela sigla PCC, chocou o país ao mobilizar centenas de criminosos para provocar terror e caos em São Paulo, no ano passado. Além das 152 mortes, os atentados despertaram atenção pela capacidade de organização do PCC e pela sua ousadia. Àquela altura, não se sabia como uma facção criminosa cujos principais líderes estavam na prisão fora capaz de articular uma onda de atentados. Não se tinha idéia, sobretudo, da dimensão e do poder da quadrilha. Nas duas últimas semanas, VEJA teve acesso a detalhes de uma investigação sigilosa conduzida por um grupo de elite do Ministério da Justiça, do Ministério Público de São Paulo e da polícia do estado que ajuda a tirar das sombras uma parte dos tentáculos do PCC – os tentáculos financeiros. Nos últimos cinco meses, essa força-tarefa esquadrinhou, com autorização judicial, 389 contas ligadas à organização, na maior quebra de sigilo bancário da história do país. Emerge dessa investigação uma teia financeira enorme, pulverizada e eficaz – que recebeu 27,6 milhões de reais em pouco mais de um ano, sem ser detectada pelos órgãos de combate à lavagem de dinheiro.

Embora rudimentar se comparada aos padrões dos grandes esquemas de lavagem montados por bandidos do colarinho branco, a rede de contas do PCC não tem paralelo dentre as organizações criminosas do Brasil. "O volume de recursos do PCC superou nossas expectativas", conta um dos investigadores do caso que analisaram o movimento das contas da organização no período que vai de julho de 2005 a setembro de 2006 (veja detalhes da engrenagem financeira do PCC). "Arrecadar 27 milhões de reais pode parecer pouco, coisa típica de uma empresa de médio porte, mas, no mundo do crime, é uma montanha de dinheiro. É o necessário para financiar atentados a qualquer momento." A quantia é suficiente para comprar armas, munição e drogas para um pequeno exército. "Uma empresa paga impostos e direitos trabalhistas. O PCC não assina carteira e não faz licitação para comprar fuzil", diz o promotor Roberto Porto, do Grupo de Ação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), um dos órgãos envolvidos na investigação.

A aparente simplicidade da rede de contas do PCC esconde um ardil engenhoso, provavelmente montado para dificultar o rastreamento dos seus recursos. São muitas contas, que movimentam valores pequenos e registram diversas operações – o que confunde as investigações da polícia e do Ministério Público. "Se estivéssemos lidando com criminosos tradicionais, que se valem de poucas empresas e contas, nosso trabalho seria infinitamente mais fácil", diz Roberto Porto, do Gaeco. "O problema é que o PCC tem um caixa descentralizado e, portanto, difícil de ser rastreado." A tática do PCC não é inédita. Assemelha-se à das redes financeiras das principais gangues de subúrbio dos Estados Unidos, que vivem de roubos e do tráfico de drogas no varejo. Até hoje, o FBI não conseguiu sufocá-las financeiramente – ao contrário das famosas máfias, que, por ter um caixa centralizado, foram, em sua maioria, abatidas pelo governo americano.

Ana Araujo
O Laboratório de Combate à Lavagem de Dinheiro em Brasília: exame de 138 000 transações bancárias do PCC

"Estimamos que as contas examinadas correspondam a 85% das operações bancárias do PCC", afirma um dos investigadores. A análise dos peritos revelou um padrão: a maioria das contas pertence a mulheres, filhos ou amantes dos integrantes da organização. O método é tão utilizado que se constatou que, das sessenta contas rastreadas numa única célula da organização – instalada no Vale do Paraíba, em São Paulo –, todas foram abertas pelas mulheres dos criminosos. No caso das esposas do PCC, a parcela mais expressiva das contas funciona no Bradesco. São contas-poupança movimentadas como se fossem contas-correntes. A predileção por contas-poupança deve-se à burocracia mais reduzida e ao fato de que não se exige comprovante de renda para abri-las. Mas, apesar da imensa quantidade de contas, os investigadores conseguiram reduzir para 23 o número das principais. Essas foram apelidadas de "contas-caixa", por concentrar a maior parte dos depósitos e saques dos criminosos.

Os extratos das contas reforçam a suspeita de que as diferentes células do PCC em São Paulo se ajudam financeiramente. Os investigadores descobriram transferências entre contas da célula de Campinas, uma das mais fortes da quadrilha, para as células da Zona Sul e da Zona Leste da capital. As contas da célula ligada ao presídio de Presidente Venceslau, localizado no interior de São Paulo, onde estão detidos alguns dos líderes do PCC, também fizeram remessas para as células da cidade de São Paulo. "Descobrimos que as células não se comunicam apenas pelas lideranças, mas também financeiramente", diz um dos investigadores do Ministério Público. "Há comunicações como essas em 75% das contas." Segundo duas fontes da força-tarefa ouvidas por VEJA, observa-se o mesmo mecanismo de "comunicação" entre as lideranças de São Paulo e células que começam a surgir em outros estados, como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia e Pará. São as chamadas franquias do PCC, que se aproveitam da marca e da tecnologia da organização para vender drogas e assaltar bancos. O maior depósito encontrado, de 7,6 milhões de reais, partiu de uma conta em São Paulo para uma empresa no Pará, ligada a traficantes.

A estratégia de concentrar os esforços do combate ao PCC na asfixia financeira da organização surgiu numa reunião sigilosa entre o Ministério Público e a Polícia Militar de São Paulo, em 31 de agosto do ano passado. Com os atentados então recentes em São Paulo, os investigadores estavam atônitos e sem saber como abalroar o grupo. Todos os principais líderes da organização já estavam na cadeia, mas os ataques continuavam. "Percebemos que não adiantava somente ficar prendendo as lideranças", conta um dos participantes da reunião. "Estamos lutando contra um inimigo invisível e ágil, mas que, como toda organização criminosa e terrorista, só sobrevive com dinheiro." Decidiu-se levantar todas as contas e empresas ligadas ao PCC – e assim começou o contra-ataque. O setor de inteligência da Polícia Militar se encarregou de repassar ao Ministério Público números de contas e nomes de laranjas da quadrilha. Ainda em setembro, os promotores conseguiram abrir o sigilo bancário de 286 pessoas e quatro empresas.

A análise dessas operações está sendo possível graças ao trabalho silencioso do Laboratório de Combate à Lavagem de Dinheiro, órgão coordenado pelo Ministério da Justiça. Criado há apenas seis meses, o laboratório é responsável por tornar inteligível a incrível massa de 138.000 transações bancárias do PCC e produzir provas com ela. Para isso, conta com uma equipe de onze técnicos, entre peritos do Ministério da Justiça, da Controladoria-Geral da União, do Tribunal de Contas da União e do Banco do Brasil – além de softwares que utilizam algoritmos de inteligência artificial para descobrir padrões nas movimentações bancárias. É o mesmo tipo de tecnologia usada pelo FBI, a polícia federal americana, e pela CIA para rastrear o dinheiro que financiou os atos terroristas de 11 de setembro. "É a tecnologia do laboratório que está permitindo que avancemos na rota do dinheiro do PCC", reconhece o promotor Arthur Lemos, que coordena as investigações do Gaeco sobre as ramificações financeiras da organização.

Agora, o próximo passo é pedir a quebra das contas que receberam dinheiro das 389 contas já examinadas para continuar no rastro dos recursos. "Provavelmente ainda teremos de quebrar mais duas ou três camadas de contas até chegar ao patrimônio do PCC e à identidade das empresas que lavam o dinheiro da organização. Isso demandará tempo", diz um dos investigadores do laboratório. Uma vez mapeado o caminho dos recursos, será possível processar os integrantes e laranjas da organização por lavagem de dinheiro e pedir o bloqueio das centenas de contas. Assim, com o estrangulamento financeiro, talvez seja possível quebrar a espinha dorsal do PCC.





OS CABEÇAS DA QUADRILHA

Além das contas do PCC, os investigadores identificaram a cúpula da organização – todos presos,
mas todos em atividade. A seguir, sete dos dez principais criminosos:



Fotos Jorge Santos, Celso Junior/AE, divulgação e reprodução

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