Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, março 27, 2007

Míriam Leitão - Bela senhora




PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
27/3/2007

Podem-se olhar as rugas e os sinais do tempo, na senhora de 50 anos. Ou podem-se olhar as conquistas do tempo. Vence o segundo olhar. A Europa, que comemorou a união em Brandemburgo - portão que um dia dividiu um país -, é um continente que deu vários passos na direção certa. Seis países, um deles dividido, reuniram-se há 50 anos em Roma e sonharam. Seus feitos em meio século foram além dos sonhos.

Cada país teve que fazer muito esforço pela construção do sonho coletivo. Imagine o que os alemães pensaram em 2002 quanto tiveram que, definitivamente, abrir mão do marco, moeda cunhada na dor da hiperinflação de 22, e que havia se tornado uma das mais fortes do mundo. Imagine o esforço dos cidadãos de cada país para abrir suas fronteiras para a circulação de pessoas, bens, serviços e capital livremente.

A aposta européia é uma das mais bem sucedidas aventuras políticas do mundo. Outros conglomerados de países já se formaram, mas sempre em impérios, com um submetendo os demais. Mesmo quando a situação muda e são países independentes, como a Commonwealth, está registrado no DNA que o grupo surgiu sob a hegemonia de uns sobre outros.

A Europa Unida nasceu dos escombros de duas guerras. Países que se enfrentaram em campos de batalhas, como Alemanha, Itália e França, estavam no pequeno grupo de seis países que, no dia 25 de março de 1957, reuniu-se em Roma para ampliar o acordo do carvão e do aço e assinar um tratado de energia atômica. Dali começou o salto para o sonho de uma Europa Unida.

Hoje, 50 anos depois, contam-se avanços, crises, reveses, ameaças, mas o continente é o maior bloco econômico e político do mundo.

A Europa nasceu por delegação, todos os governos democráticos obedecendo às decisões dos seus eleitores. Seu avanço tem sido a consolidação de valores comuns em cima de um princípio básico: todos são cidadãos da União sem deixar de ser cidadãos de cada nacionalidade.

Os passos foram dados devagar. A comunidade do Carvão e do Aço aprofundou a rebaixa tarifária e criou tarifas comuns contra outros países. Novos países foram entrando. Um dia, virou Comunidade Econômica Européia. Em Maastricht, em 91, foram estabelecidos os critérios e parâmetros a serem seguidos pela política fiscal de cada país. Em 1993, percebeu-se que o "econômica" era um reducionismo, e o nome mudou para Comunidade Européia e, depois, Europa Unida.

Mesmo assim, uma pesquisa do Financial Times mostrou que 44% dos europeus acham que sua vida está pior agora do que estava antes da entrada no bloco. De fato, o bloco tem enormes desafios pela frente: a geração do pós-guerra chega a época de se aposentar, e a previdência precisa de reformas. Os imigrantes explicam, segundo alguns, o aumento da atividade econômica dos últimos anos, mas criam tensões e contradições sociais enormes que terão que ser superadas. Há demógrafos prevendo que a população do bloco será de 449 milhões de pessoas em 2050; 10 milhões a menos que hoje, mesmo se calculando um aumento de 35 milhões de migrantes. Como incluir os migrantes no mesmo nível de cidadania oferecida à população tradicional? Como convencer os europeus a se aposentar mais tarde e a abrir mão de vantagens do Estado de bem-estar social? Como reduzir os subsídios agrícolas e manter povoadas as regiões do campo? Como avançar com o projeto da Constituição comum?

Principalmente, é preciso saber como dinamizar a economia de forma permanente. Nos últimos dois anos, ela tem crescido a níveis surpreendentes para a Europa. Mas, para revigorar a economia, prescreve a revista "Economist", é preciso adotar medidas dolorosas, como mercado de trabalho flexível, reforma do Estado do bem-estar social, e maior competição, principalmente, em serviços.

Mas há avanços admiráveis: a Inglaterra, tão receosa do projeto de união monetária, é quem está liderando o caminho para se enfrentar o desafio do século XXI: o aquecimento global. Talvez por culpa, por saber que emitiu a maior parte do estoque de gases de efeito estufa nas revoluções industriais, talvez por visão das suas lideranças, é a Inglaterra que acaba de fazer a mais ousada proposta de redução das emissões: cortar 60% até 2050, com metas anuais.

Há 50 anos, em 25 de março, seis países, um deles com seu território dividido ao meio, reuniram-se em Roma para fazer o primeiro esboço de uma grande ousadia. Eram apenas França, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Alemanha e Itália. Hoje eles são 27 países. Todos são democráticos. Foram vencidas as tiranias que aprisionaram a Espanha e Portugal por décadas; resgatados da tirania vários países que viveram sob o jugo soviético, que ousou até marchar sobre a bela e eterna Praga. A Alemanha foi unificada. As crises passaram, e outras virão, mas o bloco representa 20% da economia mundial e do comércio global. Eles têm uma moeda comum que virou uma das mais fortes do mundo. Têm um parlamento para o qual votam os cidadãos da União. Os europeus se enfrentaram em duas guerras que viraram conflitos mundiais na primeira metade do século XX; na segunda metade, construíram um elo tão forte que torna uma guerra entre eles algo impensável. Essa é a maior conquista desta senhora que acaba de fazer 50 anos olhando os desafios do século XXI.



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