Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 03, 2007

Somos mais modernos Mauro Chaves


Países que se julgam tão civilizados punem suas crianças na tenra idade, ignorando que elas estejam longe de ter atingido a maturidade suficiente para entender seus próprios atos. Vejamos alguns exemplos chocantes. Na Inglaterra, na Irlanda do Norte e na Suíça a maioridade penal é aos 8 anos de idade! Em outros países, a barbárie da imputabilidade infantil é um pouco menor, mas mesmo assim assustadora: aos 12 anos no Canadá, na Espanha, nos Países Baixos, na Grécia, em Israel; aos 13 anos em Mônaco (mas também com aquele padrão de vida tão subdesenvolvido de Montecarlo!); aos 14 anos na Alemanha, na Itália, na Áustria, na Rússia (é admissível ainda terem legislação penal tão retrógrada?); aos 15 anos na Suécia, na Dinamarca, na Noruega, na Islândia, na Finlândia, na República Checa (eta, lugarzinhos primitivos, ignorantes da psicologia adolescente!); aos 16 anos em Portugal, em Cuba, na Bolívia (nestes a situação é um pouquinho melhor, mas dá para evoluir).

E aqui temos os únicos países do planeta cuja maioridade penal é aos 18 anos: Guiné, Colômbia, Equador, Venezuela e... Brasil! Somos, assim, os cinco países que dão ao mundo um exemplo de modernidade, de conhecimento profundo da evolução psíquica do ser humano, no caminho do pleno uso da razão e da desejada maturidade. Graças à grande evolução de nossos padrões científico-tecnológicos, seja no campo da biologia, da psiquiatria, da psicologia, da pedagogia ou da criminalística, somos muito mais modernos do que o resto do mundo no que diz respeito à aplicação de medidas socioeducativas em infantes infratores que ainda não completaram 18 anos de idade e, por isso, têm de ser julgados penalmente inimputáveis, sob pena de se praticar uma intolerável violação de seus direitos humanos, coisa típica dos regimes fascistas.

Por falar em regimes fascistas, no campo da legislação penal, veja-se o tenebroso exemplo dos Estados Unidos da América: em 1972, a Suprema Corte daquele país, julgando sabiamente que a pena de morte era uma punição inadmissível, por ser cruel, aboliu-a em todo o território norte-americano. Mas, inexplicavelmente, mais baseada em dados estatísticos que indicavam aumento astronômico da criminalidade do que em argumentos técnico-jurídicos, a mesma Suprema Corte revogou a abolição da pena de morte em 1976. Assim, o Parlamento de cada um dos 50 Estados teve de decidir se adotaria ou não a punição máxima. E o resultado foi este: 38 Estados - entre os quais os menos evoluídos quanto ao respeito aos direitos dos cidadãos, como Nova York, Califórnia, Flórida, Illinois, Michigan, Pensilvânia, Texas, Colorado, Connecticut, etc. - adotaram a pena de morte. E 12 Estados - entre os quais os mais evoluídos, como Alasca e Havaí - não a adotaram. Em Massachusetts o projeto de introdução da pena de morte perdeu por um voto em 1996, depois que um parlamentar, na última hora, voltou atrás.

Agora, vejam a que ponto de cruel cinismo se chegou na grande nação do norte: em artigo publicado no USA Today, em março de 1997, o governador do Estado de Nova York, George E. Pataki, teve a coragem de fazer referência à contribuição que dera ao restabelecimento da pena de morte naquele Estado. Ele dizia que a reintrodução da pena havia sido vetada por seus antecessores por 22 anos consecutivos, mesmo depois de restaurada, em 1976, pela Suprema Corte e mesmo ante a longa luta da população por justiça, em favor da segurança de suas comunidades, da diminuição das vítimas da criminalidade e da renovação das liberdades pessoais dos cidadãos (à vida e à locomoção). Estabelecendo como primeira prioridade de seu governo a obrigação de proteger os residentes do Estado de Nova York contra o crime e a violência, o governador Pataki, imediatamente após sua posse, procurou reverter duas décadas de “medo do crime” (por parte dos cidadãos), que, em sua opinião, se ligava, diretamente, à “falta de medo da punição” (por parte dos facínoras), pelo que restituiu a eficácia intimidativa da pena de morte como uma das principais bases de sua política de segurança pública (que horror!). E estes foram os resultados que teve o desplante de alardear: em dois anos, os crimes de morte em Nova York foram reduzidos em 23% e a criminalidade geral, em 11%.

Mas não podemos levar isso em conta, porque Nova York é um péssimo exemplo. Na cidade de Nova York, por exemplo, foi adotada aquela esquisita política da “tolerância zero” (ou broken windows), que pune e não perdoa os pequenos delitos, tais como pichações ou estragos em equipamentos públicos, por menores que sejam. Eles não conseguiram acompanhar os grandes avanços que temos feito, no Brasil, no campo das penas alternativas, assim como no da concessão de indultos, como o natalino, que estimulam os melhores sentimentos dos presidiários e contribuem, fortemente, para sua recuperação.

Aliás, como já diz o termo, a progressão das penas, em nosso país, representa um dos maiores progressos da ciência jurídico-penal. Em outros países, quem é condenado a 30 anos tem de cumprir essa pena. Que condições terá ele de se recuperar depois de tanto tempo na prisão? Aqui, não: o condenado a 30 anos, se tiver bom comportamento, pode ser libertado após cumprir um sexto da pena, ou seja, cinco anos. Não é fantástico o incentivo que ele terá para se reeducar e voltar ao seio da sociedade, por mais que a situação de exclusão social que sofreu o tenha forçado a, eventualmente, abater uma ou outra criança? Mas isso só em países modernos, como Brasil e a coirmã Venezuela. E é claro que nossos lúcidos legisladores manterão tal avanço, sem sucumbir à emoção do momento.


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